sexta-feira, janeiro 20, 2006

A questão do Tempo e os Planos de Pormenor


Artigo de opinião publicado no suplemento local do jornal Público do passado domingo.

A questão do tempo e os Planos de Pormenor

Muito recentemente os Planos de Pormenor foram notícia com base em referências de diversos protagonistas com responsabilidade nas áreas do urbanismo e da arquitectura.
Alguns manifestaram estupefacção perante o facto de os Planos de Pormenor terem registado tão pouca adesão enquanto outros, mais recentemente – caso da arquitecta Helena Roseta, no Público de 21 de Outubro de 2005 – vieram reclamar menos tempo de aprovação dos PP´s para que não se transformem em instrumentos de perda de capacidade competitiva dos investidores.

A questão da necessidade de agilizar os procedimentos burocráticos que levam a que os Planos – e não só os de Pormenor – demorem tantos anos a serem elaborados é um ideia recorrente e, por si só, susceptível de gerar um alargado consenso. No entanto, considerada isoladamente, pode ser uma ideia perigosa e simplista. Por um lado, porque reforça o ponto de vista de que a ineficácia do Planeamento de Pormenor se deve, sobretudo – para não dizer exclusivamente – à morosidade na sua elaboração. Note-se que, no conjunto das críticas que se formulam, nunca são abordadas as questões dos conteúdos e da qualidade dos Planos. Por outro lado, porque esta insistência na questão temporal estimula a difusão de uma ideia perversa que é a de que um planeamento light é sempre um melhor planeamento, uma vez que antecipa a chegada à fase do projecto de urbanização e do projecto de arquitectura.

Se persistíssemos no erro de limitar a discussão à questão temporal haveria, mesmo assim, algumas considerações a fazer. Em primeiro lugar o tempo de elaboração dos Planos não é um tempo uno. Há o tempo excessivo, e em larga medida inútil, dos burocratas, consumido na circulação de pareceres, na falta de solidariedade, e mesmo na desconfiança, entre os diversos níveis da Administração Pública.
Há, por outro lado, o tempo escasso para o trabalho de planeamento, que deve ser alargado o que passa pela revalorização do papel, da responsabilidade e da independência técnica da intervenção dos urbanistas, recuperando as fronteiras éticas entre o público e o privado, entre o plano e o projecto. Com o advento do urbanismo de produtos, são cada vez mais os casos em que os destinatários da encomenda dos grandes promotores imobiliários realizam, como complemento das grandes urbanizações que projectam, Planos que visam “costurar” as diferentes intervenções. Uma paródia do urbanismo.

E há, sobretudo, o tempo escasso da discussão pública, esse instituto eminentemente democrático, que actualmente é verdadeiramente residual e que urge aumentar significativamente. Repare-se na contradição existente quando se fala em excesso de tempo para a aprovação de um Plano de Pormenor e a Lei determina um máximo de 22 dias – Artº 77º-6º do D-Lei310/2003 – para o período de discussão pública.

Por um novo Sistema de Planeamento

Mas, para além destas questões eminentemente temporais será que existem outras razões para que a perda de eficácia do Planeamento ?

Em toda a Europa travou-se uma discussão que permitiu estabelecer uma relação entre o declínio do Planeamento e a perda de qualificação do desenvolvimento urbano e em particular uma relação entre o declínio do planeamento de pormenor e a perda de influência do espaço público nas cidades. Há um conjunto de factores identificados como determinantes desse declínio, destacando-se a submissão dos objectivos do planeamento às dinâmicas da iniciativa privada e, em particular, às dinâmicas do sector imobiliário entre as mais relevantes.

Vamos tentar sistematizar alguns dos aspectos mais relevantes que concorrem para que em Portugal o Planeamento de Pormenor seja pouco utilizado e, quando utilizado, seja ineficaz e avançar algumas ideias sobre o que fazer para alterar a actual situação.

Do ponto de vista dos autarcas, o Planeamento Urbanístico foi inicialmente entendido como uma formalidade que era necessário satisfazer para viabilizar o acesso a fundos comunitários. Desde esses tempos verificou-se alguma evolução mas a opção clara que domina não vai no sentido de utilizar o urbanismo para qualificar o desenvolvimento urbano, para contribuir para a preservação dos recursos naturais e para garantir aos cidadãos e às empresas condições optimizadas de acesso ao território. A opção vai no sentido de entender e utilizar o urbanismo como um conjunto de ferramentas potenciadoras da valorização da propriedade fundiária. Acontece que, deste ponto de vista, os Planos de Pormenor são uma perfeita inutilidade, já que a nossa legislação permite que os Planos Directores Municipais definam índices urbanísticos e sejam vinculativos dos particulares.
Com esse instrumental estabelecido nos PDM´s os autarcas e os investidores têm sido capazes de se entenderem, como mostra o passado recente. Cada um maximiza aquilo que quer do “urbanismo”: no caso dos autarcas, as receitas associadas ao imobiliário –embora a prazo a operação se revele largamente deficitária - e, no caso dos investidores, índices de construção e mais valias simples tão elevados quanto possível.

É por isso que uma primeira solução passa por estabelecer no Sistema de Planeamento uma clara separação entre os Planos de Afectação do Solo a Classes de Uso e os Planos de Utilização do Solo. No primeiro grupo ficariam os Planos Directores Municipais, que não estabeleceriam índices urbanísticos e que unicamente vinculariam a Administração Pública. No segundo grupo ficariam os Planos de Pormenor, que seriam vinculativos dos particulares, e nos quais seria definida a forma urbana a que as iniciativas dos promotores se teriam forçosamente que submeter. Esta alteração pressupõe que os municípios sejam proibidos de emitir licenças de construção, ou alvarás de loteamentos, sem a prévia existência de Planos de Pormenor devidamente aprovados. Planos de Pormenor elaborados pela Administração e não pelos particulares que disponham de capacidade financeira para o fazer, uma nova forma de discriminação dos cidadãos de menores recursos que se foi instalando e de que ninguém fala.

Com esta mudança alterava-se de forma drástica, a favor do Planeamento de Pormenor, a relação de forças existente no nosso Sistema de Planeamento Urbanístico. Mas resolver-se-iam todos os problemas? É claro que não.

O Problema da eficácia dos Planos

Actualmente um Plano de Pormenor aprovado pode não ter depois qualquer correspondência em termos de desenvolvimento urbano. Existem em alguns concelhos Planos de Pormenor aprovados, com milhares de fogos autorizados, nas quais os promotores optaram por não tomar qualquer iniciativa. Este facto, quase nunca referido, justifica por si só um outro olhar sobre as questões temporais. A discussão sobre o carácter imperativo ou não que o processo de urbanização deve ter em função da vontade colectiva expressa nos Planos. Em Portugal apesar do discurso sistemático pró-des-regulamentação, é um facto que são os privados que ditam, desde 1965, o tempo e o modo do processo de desenvolvimento urbano.

Há ainda a magna questão dos conteúdos. Os PP´s devem valorizar a questão do desenho urbano e, sobretudo, a importância do espaço público para o desenvolvimento das cidades. Devem libertar-se do espartilho do urbanismo funcionalista que entende o planeamento, e em particular o planeamento de pormenor, como o somatório de um conjunto de intervenções especializadas – as da rodovia, a dos espaços verdes, as da edificação, etc. Um urbanismo que tende a reduzir os cidadãos à condição de consumidores e a cidade a um mero produto imobiliário e cuja apologia é feita por aqueles que se limitam a garantir o seu lugar nos itinerários produtivos da grande promoção imobiliária.
Só é possível alterar esta situação pela valorização da forma urbana e do espaço público entendido como o lugar da cidadania e não como um espaço residual ou sobrante das restantes intervenções. Um espaço público democrático, interclassista, e não como acontece com o urbanismo de produtos que o privatiza enclausurando-o, impondo-lhe a limitação do acesso, tornando-o um elemento de segregação das populações de menores recursos.
Sem corrigirmos estas omissões, mesmo que possamos reduzir em muito o tempo de elaboração do planeamento, e ainda que mudemos os nomes aos Planos, o que estamos afinal a reduzir é o tempo que nos separa de situações como aquelas que se viveram ultimamente em França e cujas diferentes análises puseram em evidência a incompreensão das dimensões especificamente urbanas, da insegurança associada à “guetização” - de pobres e de ricos - das populações e ao crescimento urbano submetido aos ditames e às dinâmicas do imobiliário.




Comments:
Olá, minha querida ZEZA!
Folgo em saber, que para além de POETA e ESCRITORA, também és PRESERVADORA daquilo que é realmente importante!
MULHER ACTIVA e com um papel PREPONDERANTE, nos problemas da "NOSSA TERRA" .

Sim, "NOSSA TERRA", que embora aí não tenha nascido, passei aí, toda a minha infância e adolescência.
AUSENTE, mas tão próxima!

Já me tinha chegado aos ouvidos, essa ideia absurda, do Exmº Sr. Presidente Coelho, querer demolir o Mercado Municipal!
Pensei: "Demolir um Mercado no Centro da "VILA"!!!!!! Não, só podem estar enganados, provavelmente, o Exmº Sr Presidente, só quer ampliar o espaço, sei lá, fazer obras de restauro".
Agora, que afinal não só "Zumbidos", a coisa é mesmo para seguir para frente, isto, se o Zé Povinho , não tomar medidas drásticas, claro ....

A minha pergunta é:
O que será feito, de todos aqueles comerciantes (Agricultores, Vendedores de Peixe, Flores, Padaria, etc), que vivem do produto do seu trabalho?
Será, que o famoso e Suberano Belmiro , lhes arranja lá um lugarzinho no seu centro Comercial?, NAAAAaaaa, não me parece!
Ou será, que o Mercado Municipal, também vai passar para a Zona Industrial?
É, era só o que faltava, tu não achas?
Já estou a imaginar a D. Luísa Ribeiro, a mais os seus "belos pézinhos", a fazer caminhadas para a Zona Industrial aos sábados pela fresquinha!
E, quantas mais Donas Luísas, estarão na mesma situação?

NÃO SÓ BELA BELEZA ARQUITECTÓNICA, MAS TAMBÉM, POR TUDO, O QUE AQUILO REPRESENTA PARA MILHARES DE PESSOAS..., OS QUE LÁ GANHAM A SEU SUSTENTO, COMO AQUELES QUE LÁ O VÃO ADQUIRIR....



LAMENTÁVEL....




Beijos,

ALMERINDA RIBEIRO
 
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