terça-feira, junho 05, 2007

Mudar o Urbanismo, Melhorar Lisboa


MUDAR O URBANISMO, MELHORAR LISBOA


Na edição do Público do passado dia 7-07-2005, o engenheiro Jorge Jacob, Director-Geral dos Transportes Terrestres, contestou a intenção da candidatura de Manuel Maria Carrilho de reduzir a metade o número de carros que entram em Lisboa. Não por não ser estimável o objectivo da candidatura socialista mas por ser inviável, recorrendo a soluções de pura engenharia de transportes. O problema, como referiu Jorge Jacob, é do puro e simples domínio do urbanismo e só aí poderá encontrar solução.
A grande mudança que não pode ser adiada, diz respeito à devolução à cidade de Lisboa daqueles que, sobretudo nos últimos 20 anos, foram expulsos para os subúrbios, com a pequena “chatice” de serem todos os dias necessários para trabalharem na cidade.
Entre 1981 e 2001 Lisboa perdeu em média 13.600 habitantes por ano, passando de uma população de 841.000 mil habitantes para 565.000. Tem hoje uma densidade populacional de 67 habitantes por hectare quando por exemplo Barcelona, uma cidade com uma área semelhante (96 lm2 contra 85 Km2 da capital portuguesa) tem uma densidade de 153 habitantes por hectare, isto é, quase três vezes e meia a densidade de Lisboa. A perda de população não afecta igualmente todos os grupos sociais. Afecta sobretudo as classes de menores rendimentos e os jovens que pretendem aceder à primeira habitação ou seja aqueles que não encontram na Cidade oferta compatível com a sua capacidade de endividamento.
Ora esta perda de população e esta perda de densidade podem pôr em causa o próprio conceito de cidade democrática, lugar privilegiado de circulação e de troca da informação, lugar da inovação, das liberdades urbanas, da diversidade e da heterogeneidade sociais e dos valores democráticos. Uma cidade segregada socialmente, como Lisboa tende a ser cada vez mais, deixa de ser esse lugar.

Esta situação não resulta da ausência de urbanismo, pelo contrário é o produto do urbanismo que temos tido. Um urbanismo funcionalista que combinou os males do zonamento com a privatização do espaço público, com a estrutura urbana a crescer através de tipologias edificatórias de grande escala, com uma estrutura urbana interna, auto-excluída da lógica da cidade e concretizada pelos poderosos promotores imobiliários que operam na cidade. Um urbanismo que desvaloriza o planeamento físico materializado nos conteúdos do desenho urbano e o protagonismo social e estético do espaço público urbano.
Um urbanismo cujos instrumentos de planeamento de pormenor são considerados dispensáveis uma vez que é possível construir na sua ausência e os PDM´s tratam, desde logo, da “magna” questão da valorização da propriedade fundiária com a sua perversa atribuição de índices, criando condições para um desenvolvimento urbano resultado de uma colagem de urbanizações. Instrumentos de planeamento esses que são completamente omissos relativamente às questões da propriedade imobiliária, da propriedade fundiária, das mais-valias simples (decorrentes das alterações do uso do solo ou das autorizações de densificação associadas às operações de renovação urbana) da segmentação dos usos do solo e das políticas de habitação.

É necessário combater a segregação espacial das populações de menores rendimentos. Combater a Lisboa elitista, com o seu urbanismo de produtos submetido às regras e à força económica da iniciativa privada, uma Lisboa só para os “happy few” capazes de aceder ao monoproduto imobiliário disponível na cidade, caracterizado pela proximidade do rio, em zonas histórias renovadas pela iniciativa privada, com assinaturas de grandes arquitectos, legitimadoras deste urbanismo de urbanizações, e apreços exorbitantes.
A solução está de facto no urbanismo, como afirmou Jorge Jacob. Mas não neste urbanismo da exclusão social, que transformou a vida na cidade numa coisa insuportavelmente dispendiosa em tempo de transporte. Um urbanismo que, apesar de uma despesa brutal em acessibilidades e transportes, feita à custa dos recursos dos contribuintes do país inteiro, no essencial, não só não resolveu o problema como o agudizou.
É necessário um urbanismo que estabeleça a diferença
entre os planos de afectação do solo a classes de uso e os planos de utilização do solo e que impeça a actividade de licenciamento municipal sem a prévia aprovação de Planos de Pormenor. Mas que os torne imperativos evitando a actual situação de separação entre oferta potencial e oferta real de terrenos urbanizáveis e impeça as práticas especulativas associadas a este fenómeno.
Um urbanismo que promova a socialização das mais-valias simples que resultam de decisões da Administração. Que trate a política de habitação com a devida atenção e não como uma simples referência, inconsequente, numa alínea do artigo da lei que estabelece o conteúdo material dos PDM´s, dos PU´s ou dos PP´s. Que estabeleça, nos PDM´s e nos PU, os objectivos da política de habitação que se pretende adoptar para a cidade. Que caracterize a situação existente e as diferentes procuras a que importa dar resposta. Que explicite os objectivos de combinação de usos, evitando uma situação de produção de fogos comandada pela oferta, a monofuncionalidade do sistema urbano e a segregação espacial das populações. Que estabeleça a percentagem de fogos a construir para cada uma das procuras: aquisição de casa no mercado livre, arrendamento privado, arrendamento social e insolventes. Mas que concretize essas propostas no planeamento de pormenor. Um urbanismo que trate da habitação entendida no seu sentido mais amplo e não reduzida às questões da habitação social. Que fixe as grandes linhas de acção para um indispensável reequilíbrio da oferta residencial, a diversificação e a requalificação dos quarteirões muito tipificados e que dê respostas às seguintes questões:
controle da situação de alta constante dos preços do imobiliário com a sua parametrização para os diferentes segmentos da procura: promoção da existência de um sector do arrendamento privado, com a abolição de medidas espúrias tais como o congelamento das rendas;
adopção de políticas fiscais incentivadoras da construção para arrendamento;
promoção da existência de um sector de arrendamento social capaz de dar resposta a este sector da procura, com políticas fundiárias municipais concretas que estimulem a criação de reservas fundiárias municipais ou em parceria com cooperativas de habitação e instituições de solidariedade social.
Um urbanismo que valorize o espaço público e que permita a sua apropriação em condições de igualdade por parte dos diferentes grupos sociais.
Lisboa pode representar uma oportunidade para alterar o que está mal na cidade e no país. Uma oportunidade para substituir um urbanismo de exclusão por um urbanismo de inclusão, para permitir às pessoas participar na discussão da cidade e do seu futuro. É um desafio e uma responsabilidade da cidade capital e nesse sentido uma grande responsabilidade de todos os candidatos. Recusar essa responsabilidade será a maior de todas as derrotas.
Artigo publicado no jornal Público em 21 de Agosto de 2005.


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