segunda-feira, junho 25, 2007

A Fruteira da vereadora e o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território



Texto de opinião publicado no jornal Público em 6 de Agosto de 2006

A Fruteira da Vereadora e o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território.

Provocou alguma polémica a decisão da vereadora da Câmara de Lisboa, Maria José Nogueira Pinto (MJNP), de excluir os jovens imigrantes do acesso aos fogos de um programa de habitação cooperativo no Casalinho da Ajuda. A vereadora argumentou com a necessidade de evitar a criação de “misturas explosivas” e afirmou que “isto [a Cidade, supõe-se] não é uma fruteira onde se possam meter bananas, maçãs e laranjas e dizer que está tudo bem.” (Público Local de 30/06/06).
Por coincidência está neste momento em discussão pública o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT) que estabelece como seu 4º Objectivo Estratégico (Capítulo 2 do Programa de Acção do PNPOT, p39) assegurar a equidade territorial no provimento de infra-estruturas e de equipamentos colectivos e a universalidade no acesso aos serviços de interesse geral, promovendo a coesão social” e entre outros Objectivos Específicos "melhorar as condições de habitabilidade nomeadamente no que se refere aos grupos sociais mais vulneráveis". O mesmo PNPOT que, para concretizar esses objectivos, elege como Medidas Prioritárias "promover a inserção nos instrumentos de planeamento municipal dos objectivos sociais de combate à segregação urbana e de acolhimento e integração dos imigrantes, designadamente através da institucionalização dos princípios da variedade e mistura de usos e tipologias de habitação” e "incentivar o "cumprimento de objectivos sociais por parte dos promotores imobiliários designadamente através da afectação de uma quota parte da habitação nova ou a reabilitar a pessoas com carências económicas".(p. 42)
Este objectivo é ipsis verbis o reconhecimento de que existe um problema, gerado pelo modelo de desenvolvimento urbano seguido nas últimas décadas, que se traduz no crescimento da segregação espacial das populações, com reflexos graves na perda de coesão social e na falta de equidade territorial. E, ao mesmo tempo, o reconhecimento de que a articulação das políticas urbanísticas com as políticas de habitação é fundamental para a concretização desses objectivos.
Devemos aplaudir o PNOPT por ter objectivos tão estimáveis, e por os elevar à dignidade de política de Estado, mas não podemos deixar de salientar alguns aspectos que parecem equívocos na formulação colocada a debate.
Em primeiro lugar, não são muito esclarecedoras as propostas adiantadas sobre a forma como se concretizarão os objectivos. Inscrever esses objectivos nos instrumentos de planeamento municipal é um dos caminhos apontados. Mas, para isso, o conteúdo material dos Planos Directores Municipais, dos Planos de Urbanização e dos Planos de Pormenor tem que ser revisto, deixando de ser completamente omissos, entre outros aspectos, sobre a questão da habitação. Quando e como será concretizada essa mudança?
A omissão que caracteriza a legislação actual não tem permitido prevenir nem a concentração da habitação social – justificada durante muitos anos com a urgência de dar respostas a grupos sociais alvo de exclusão social - nem a sua rejeição por elites que aspiram a viver entre os seus, nos seus condomínios privados. As regras do planeamento urbanístico têm sido incapazes de promover uma organização funcional e social do espaço urbano, geradora de coesão e de equidade.
Podemos socorrer-nos do exemplo francês que, desde os anos 70, tenta cumprir objectivos, expressos no Código do Urbanismo, de combate à segregação espacial e de reforço da coesão social, os quais no entanto, não impediram a degradação da situação culminando nos acontecimentos do último Inverno nos subúrbios de Paris.
Depois de algumas décadas de fracasso, a publicação da LOV – Lei de Orientação para a Cidade – em 13 de Maio de 1991, veio obrigar os municípios com mais de 10.000 habitantes a cumprirem o objectivo de terem pelo menos 20 por cento dos seus fogos afectos ao parque social. Esta lei foi, uma década depois, substituída pela SRU – Lei da Solidariedade e da Renovação Urbana – de 13 de Dezembro de 2000, que defendia os princípios da LOV mas visava eliminar os aspectos que tinham permitido o seu boicote mais ou menos generalizado.
Ora, esse boicote foi sobretudo concretizado pelos autarcas ao recusarem estruturar à escala dos seus concelhos uma oferta social ou por, quando a construíram, o terem feito de uma forma segregada e usando do seu poder para a subverter através da manipulação das condições de acesso. O caso mais famoso foi o do actual ministro, Sarkozy, à data maire de Neuilly um dos municípios mais elitistas de Paris, que se recusou a cumprir os objectivos da LOV, aceitando os seus munícipes o agravamento dos impostos municipais em consequência dessa opção. A SRU veio impor o respeito pela lei, com pesadas consequências financeiras para os municípios incumpridores, recorrendo à ameaça financeira e às sanções para vencer os egoísmos locais e garantir uma melhor repartição espacial da oferta de habitação social no território. Veio esclarecer o que são os tais 20% de habitações sociais que, nos termos da SRU, são fogos para arrendamento social. Mas, sobretudo, veio obrigar à articulação estratégica entre as competências do urbanismo e as da habitação, impondo que os diferentes documentos do urbanismo estabeleçam as condições de forma a assegurar a “diversidade das funções urbanas e a mistura social na habitação urbana tendo em conta em particular o equilíbrio entre emprego e habitação” (ARTº 1º da SRU).

É desta realidade que nos dá conta a fruteira da vereadora. Mais do que defender um modelo segregado de organização da cidade - que foi concretizado ao longo de décadas pelas diferentes maiorias que o município de Lisboa conheceu e de que a expressão mais brutal foi a perda, em 20 anos, de cerca de 300 mil habitantes, expulsos para as periferias – trata-se de dar um passo mais e passar a defender um urbanismo de separação. Numa cidade em que a percentagem de condomínios privados não para de crescer - eles que são a expressão de uma segregação voluntária, desejada pelas classes mais favorecidas, mas sobretudo a manifestação da fragmentação do modelo de organização económica e política do território, expressão de verdadeiras “democracias de accionistas” e de uma forma privada de poder local - trata-se agora de, mesmo nos programas públicos destinados aos grupos sociais mais desfavorecidos, estabelecer critérios de separação étnicos ou de outra natureza. O suporte ideológico para este tipo de prática parece remeter para as políticas de segurança citadina, made in USA – as famigeradas políticas de “tolerância zero” que se apoiam na segregação dos colectivos sociais e étnicos e conduzem à criminalização dos mais desfavorecidos.
Neste sentido é equívoco o outro caminho proposto que aponta para a necessidade de sensibilizar os promotores. Mais do que sensibilizar os privados, o Estado tem que acabar com as suas próprias omissões e estabelecer de forma clara e quantificada os seus objectivos e os mecanismos para a sua concretização. Deve depois exigir dos seus agentes o irrecusável e inegociável cumprimento das regras do jogo. Neste contexto, aos promotores nada mais restará do que o estimável papel de serem insubstituíveis parceiros e agentes das mudanças.
A PNOPT dá um passo nesse sentido, mas certamente são necessários mais de dois.

PS- A discussão pública deste importante documento decorre num verdadeiro estado de não participação apesar dos esforços da Secretaria de Estado. Com milhares de autarcas e muitos milhares de técnicos municipais a trabalhar nestas áreas espanta tanto silêncio. A menos que este ruidoso silêncio seja a confirmação de que o conhecimento disponível chega e sobra para a gestão burocrática do urbanismo e para a, citando Paulo Morais, eficiente organização da transferência de meios públicos para mãos privadas. Para o essencial.


terça-feira, junho 05, 2007

Mudar o Urbanismo, Melhorar Lisboa


MUDAR O URBANISMO, MELHORAR LISBOA


Na edição do Público do passado dia 7-07-2005, o engenheiro Jorge Jacob, Director-Geral dos Transportes Terrestres, contestou a intenção da candidatura de Manuel Maria Carrilho de reduzir a metade o número de carros que entram em Lisboa. Não por não ser estimável o objectivo da candidatura socialista mas por ser inviável, recorrendo a soluções de pura engenharia de transportes. O problema, como referiu Jorge Jacob, é do puro e simples domínio do urbanismo e só aí poderá encontrar solução.
A grande mudança que não pode ser adiada, diz respeito à devolução à cidade de Lisboa daqueles que, sobretudo nos últimos 20 anos, foram expulsos para os subúrbios, com a pequena “chatice” de serem todos os dias necessários para trabalharem na cidade.
Entre 1981 e 2001 Lisboa perdeu em média 13.600 habitantes por ano, passando de uma população de 841.000 mil habitantes para 565.000. Tem hoje uma densidade populacional de 67 habitantes por hectare quando por exemplo Barcelona, uma cidade com uma área semelhante (96 lm2 contra 85 Km2 da capital portuguesa) tem uma densidade de 153 habitantes por hectare, isto é, quase três vezes e meia a densidade de Lisboa. A perda de população não afecta igualmente todos os grupos sociais. Afecta sobretudo as classes de menores rendimentos e os jovens que pretendem aceder à primeira habitação ou seja aqueles que não encontram na Cidade oferta compatível com a sua capacidade de endividamento.
Ora esta perda de população e esta perda de densidade podem pôr em causa o próprio conceito de cidade democrática, lugar privilegiado de circulação e de troca da informação, lugar da inovação, das liberdades urbanas, da diversidade e da heterogeneidade sociais e dos valores democráticos. Uma cidade segregada socialmente, como Lisboa tende a ser cada vez mais, deixa de ser esse lugar.

Esta situação não resulta da ausência de urbanismo, pelo contrário é o produto do urbanismo que temos tido. Um urbanismo funcionalista que combinou os males do zonamento com a privatização do espaço público, com a estrutura urbana a crescer através de tipologias edificatórias de grande escala, com uma estrutura urbana interna, auto-excluída da lógica da cidade e concretizada pelos poderosos promotores imobiliários que operam na cidade. Um urbanismo que desvaloriza o planeamento físico materializado nos conteúdos do desenho urbano e o protagonismo social e estético do espaço público urbano.
Um urbanismo cujos instrumentos de planeamento de pormenor são considerados dispensáveis uma vez que é possível construir na sua ausência e os PDM´s tratam, desde logo, da “magna” questão da valorização da propriedade fundiária com a sua perversa atribuição de índices, criando condições para um desenvolvimento urbano resultado de uma colagem de urbanizações. Instrumentos de planeamento esses que são completamente omissos relativamente às questões da propriedade imobiliária, da propriedade fundiária, das mais-valias simples (decorrentes das alterações do uso do solo ou das autorizações de densificação associadas às operações de renovação urbana) da segmentação dos usos do solo e das políticas de habitação.

É necessário combater a segregação espacial das populações de menores rendimentos. Combater a Lisboa elitista, com o seu urbanismo de produtos submetido às regras e à força económica da iniciativa privada, uma Lisboa só para os “happy few” capazes de aceder ao monoproduto imobiliário disponível na cidade, caracterizado pela proximidade do rio, em zonas histórias renovadas pela iniciativa privada, com assinaturas de grandes arquitectos, legitimadoras deste urbanismo de urbanizações, e apreços exorbitantes.
A solução está de facto no urbanismo, como afirmou Jorge Jacob. Mas não neste urbanismo da exclusão social, que transformou a vida na cidade numa coisa insuportavelmente dispendiosa em tempo de transporte. Um urbanismo que, apesar de uma despesa brutal em acessibilidades e transportes, feita à custa dos recursos dos contribuintes do país inteiro, no essencial, não só não resolveu o problema como o agudizou.
É necessário um urbanismo que estabeleça a diferença
entre os planos de afectação do solo a classes de uso e os planos de utilização do solo e que impeça a actividade de licenciamento municipal sem a prévia aprovação de Planos de Pormenor. Mas que os torne imperativos evitando a actual situação de separação entre oferta potencial e oferta real de terrenos urbanizáveis e impeça as práticas especulativas associadas a este fenómeno.
Um urbanismo que promova a socialização das mais-valias simples que resultam de decisões da Administração. Que trate a política de habitação com a devida atenção e não como uma simples referência, inconsequente, numa alínea do artigo da lei que estabelece o conteúdo material dos PDM´s, dos PU´s ou dos PP´s. Que estabeleça, nos PDM´s e nos PU, os objectivos da política de habitação que se pretende adoptar para a cidade. Que caracterize a situação existente e as diferentes procuras a que importa dar resposta. Que explicite os objectivos de combinação de usos, evitando uma situação de produção de fogos comandada pela oferta, a monofuncionalidade do sistema urbano e a segregação espacial das populações. Que estabeleça a percentagem de fogos a construir para cada uma das procuras: aquisição de casa no mercado livre, arrendamento privado, arrendamento social e insolventes. Mas que concretize essas propostas no planeamento de pormenor. Um urbanismo que trate da habitação entendida no seu sentido mais amplo e não reduzida às questões da habitação social. Que fixe as grandes linhas de acção para um indispensável reequilíbrio da oferta residencial, a diversificação e a requalificação dos quarteirões muito tipificados e que dê respostas às seguintes questões:
controle da situação de alta constante dos preços do imobiliário com a sua parametrização para os diferentes segmentos da procura: promoção da existência de um sector do arrendamento privado, com a abolição de medidas espúrias tais como o congelamento das rendas;
adopção de políticas fiscais incentivadoras da construção para arrendamento;
promoção da existência de um sector de arrendamento social capaz de dar resposta a este sector da procura, com políticas fundiárias municipais concretas que estimulem a criação de reservas fundiárias municipais ou em parceria com cooperativas de habitação e instituições de solidariedade social.
Um urbanismo que valorize o espaço público e que permita a sua apropriação em condições de igualdade por parte dos diferentes grupos sociais.
Lisboa pode representar uma oportunidade para alterar o que está mal na cidade e no país. Uma oportunidade para substituir um urbanismo de exclusão por um urbanismo de inclusão, para permitir às pessoas participar na discussão da cidade e do seu futuro. É um desafio e uma responsabilidade da cidade capital e nesse sentido uma grande responsabilidade de todos os candidatos. Recusar essa responsabilidade será a maior de todas as derrotas.
Artigo publicado no jornal Público em 21 de Agosto de 2005.


sexta-feira, dezembro 22, 2006

Mercado Municipal de Sines: Petição à Assembleia Municipal


PETIÇÃO DE UM GRUPO DE CIDADÃOS À ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE SINES.

Exmo senhor Presidente da Assembleia;
Exmos senhores deputados muncipais;

A petição que, neste momento, entregamos nesta Assembleia Municipal visa solicitar aos eleitos pela população de Sines que integram este órgão, que tenham em consideração - na Discussão e Votação da pretensão da Câmara Municipal de demolir o Mercado Municipal e permitir a alienação do terreno em direito de superfície por um prazo de 30 anos para aí instalar uma grande superfície comercial - a posição dos subscritores que, estamos certos, corresponde ao sentimento de uma grande parte da população.

Como é do conhecimento de todos os membros desta Assembleia Municipal o Mercado Municipal de Sines foi construído logo após a revolução de Abril e nesse sentido é, sem qualquer sombra de dúvida, o primeiro e o mais importante equipamento público construído em Sines logo após essa data.
Tratava-se de uma velha reivindicação da população e, nesse sentido, a decisão de o construir correspondeu ao melhor que se pode desejar da acção política: decisões tomadas e ponderadas tendo como objectivo o bem-estar das populações e dando resposta aos seus anseios e aspirações.

O Mercado Municipal sendo municipal é de todos os cidadãos. Daqueles que aí exercem a sua actividade, os comerciantes e as suas famílias; daqueles que gostam de ir ao mercado abastecer-se, os cidadãos; daqueles pequenos produtores que escoam através do Mercado parte da sua produção; dos cidadãos em geral que nunca fazendo compras no Mercado gostam de passar nesta zona da Cidade e usufruir do desafogo e da calma que é garantida e tutelada por este belo edifício representativo, como nenhum outro na Cidade, da arquitectura modernista e do espírito do movimento moderno.

Esta petição corresponde a um acto de cidadania. Não queremos invadir o campo da intervenção política partidária que compete aos deputados eleitos em representação das forças políticas que se submeteram a eleições. Mas, numa democracia representativa, como é a nossa, tem que haver um lugar e um espaço para a participação cidadã. Entendemos que a decisão sobre este assunto, pela sua importância para a vida da Cidade, deve ser objecto de uma ponderada discussão e de uma participação o mais alargada possível de todos.

Sabemos que a força política que lidera a autarquia, com a legitimidade que resulta do voto popular livremente expresso, em muitos concelhos onde é minoritária exige e pugna, e bem a nosso ver, pela qualificação da democracia. Exigindo transparência e informação. Exigindo que os processos decisórios sejam precedidos de estudos e análises que permitam opções criteriosas, tanto mais que muitas das decisões são quase sempre irreversíveis, não se podendo depois remediar.

Ficamos por isso perplexos com este processo. É que nas últimas eleições autárquicas a força política vencedora não propunha no seu programa demolir o Mercado e permitir a construção neste local da Cidade de uma grande ou média superfície. É que ainda recentemente nas grandes Opções do Plano para 2006 se anunciava que “serão executadas beneficiações nos Mercados Municipais de Sines e Porto-Côvo e procurar-se-á soluções para a revitalização do Mercado de Sines”.

Infelizmente nada foi feito ou cumprido.

O Plano de Urbanização, recentemente aprovado por esta Assembleia, no seu Relatório e no seu Plano de Execução não faz qualquer referência a esta intervenção. Será que o impacto desta alteração não devia ter sido previsto e analisado num instrumento urbanístico tão importante?

Será que desde a última campanha eleitoral as condições se alteraram assim tanto, neste período de menos de um ano, para justificar esta decisão que pretendem agora concretizar?

Será que assim sendo existe legitimidade política para tomar uma decisão desta natureza? Estaremos perante um acto de pura gestão corrente ou tão somente perante o puro e simples cumprimento de um programa eleitoral anteriormente sufragado pela população?

Do nosso ponto de vista a resposta é claramente não!!!
Não estamos perante um acto de gestão corrente!!!
Não estamos perante o puro e simples cumprimento de um programa eleitoral já que esta proposta não integrava o Programa Eleitoral da força vencedora!!!

Esta decisão pela sua excepcionalidade justifica um processo de decisão igualmente excepcional. Justifica ponderação, informação suficiente e detalhada, participação de todos os órgãos autárquicos e que se encontrem formas de os cidadãos poderem participar e expressar a sua vontade, contribuindo assim para a decisão.

Será que estes pressupostos se verificam? Infelizmente temos que dizer que não. Este processo caracteriza-se desde o ínicio por um conjunto de características de que sobressaem: secretismo; falta de informação; falta de ponderação; limitação da participação dos interessados.

A Câmara decidiu sem ter como base estudos que fundamentassem a sua decisão. Estudos em que fossem ponderadas alternativas diversas e obviamente a alternativa zero que corresponde a não demolir o Mercado.

A Câmara decidiu sem ter avaliado os impactos para a vida de todos os cidadãos da localização neste local da cidade de uma superfície comercial com estas característica geradora de um volume de tráfego contínuo enorme face ao existente. Não avaliou em particular a capacidade das vias existentes para suportarem esse acréscimo de tráfego e as consequências que isso terá na vida de todos nós.

A Câmara decidiu sem ter feito uma avaliação do impacto desta unidade no futuro do pequeno comércio e da influência por essa via na economia de muitas famílias.

A Câmara decidiu sem ter em seu poder o Estudo de ocupação para a nova superfície e sem poder apresentar sequer um esboço volumétrico da solução proposta. Decidiu permitindo ao investidor que realize posteriormente o Estudo que será por ela aprovado. Depois de já ter recebido metade do dinheiro que pretende receber num prazo de 30 anos.

Será que nós, cidadãos, podemos aceitar que a Câmara transfira para mão privadas responsabilidades que são eminentemente públicas?
A responsabilidade de projectar e planear o desenvolvimento da Cidade é ou não eminentemente pública? Ou ela pode ser alienada para os privados desde que existam contrapartidas financeiras? Para que servem os Planos aprovados se depois se tomam decisões não previstas nesses Planos?

A Câmara decidiu apresentando um cenário catastrófico sobre a situação do Mercado, que entendemos não ser confirmado pela realidade, apresentando verbas a gastar na sua reabilitação e requalificação, que entendemos estarem propositadamente inflacionadas, não fundamentadas em qualquer projecto ou minimamente quantificadas.

A Câmara manifestou falta de respeito, em particular por este órgão autárquico que pretendeu retirar da discussão deste processo transformando-o em simples câmara rectificadora das suas decisões.

Porque será que a Câmara não decidiu juntamente com os comerciantes e com os restantes órgãos autárquicos iniciar um processo de requalificação do Mercado promovendo a melhoria das suas condições de funcionamento, incluindo a melhoria da apresentação das bancas, a questão dos horários, promovendo a gestão participada do Mercado, envolvendo os actuais e os futuros comerciantes, promovendo a imagem do Mercado com adequadas campanhas de marketing.

O Mercado é de todos os cidadãos. Um Mercado Municipal é um equipamento colectivo ao serviço de todos. È uma parte de uma economia de proximidade em que o interesse público prevalece sobre o lucro. Numa economia globalizada um Mercado Municipal é um símbolo da resistência a um modelo massificado em que os pequenos comerciantes e os pequenos produtores locais são tratados como sucata, como algo que se pode deitar fora. As grandes superfícies são actores da economia global e a sua actuação é independente das realidades locais.

Sines já tem uma área de superfícies comerciais que ultrapassa as mais elevadas médias nacionais. Que lógica preside a colocar uma ainda maior do que as existentes no coração da Cidade? Todos sabemos que não existe nenhuma lógica nesta decisão. Nem nenhum fundamento. Apenas a necessidade de a autarquia realizar um elevado encaixe financeiro. Este caso é para nós um daqueles em que os fins não justificam os meios.

Os deputados municipais representam a componente deliberativa do poder local. São eles que decidem. Neste caso pedimos aos deputados – a todos eles – que coloquem em primeiro lugar o interesse da Cidade e só depois o interesse partidário. Devem funcionar como representantes legítimos do povo e escutar o povo. Escutar a rua. Escutar o sentimento da população que fala desta questão nos cafés. Escutar os comerciantes e as suas famílias. E decidir de acordo com o interesse colectivo. Caso considerem que existem dúvidas suficientes, devem votar contra esta infeliz proposta.
Caso considerem que não lhes deve ser imputada a responsabilidade por uma decisão que não estava prevista no contrato que estabeleceram com os eleitores devem permitir que o povo decida através de um referendo.

Por isso pedimos aos deputados que recusem liminarmente esta proposta, por falta da mais elementar fundamentação e por atentar gravemente contra o interesse público e contra o futuro da cidade de Sines e a qualidade de vida dos seus cidadãos.

Apelamos igualmente para que proponham à Câmara a constituição de um grupo de trabalho envolvendo a Junta de Freguesia de Sines, a Assembleia Municipal, a Câmara e os comerciantes para que se estudem as formas de promover o Mercado Municipal junto dos consumidores, adaptando o seu horário de funcionamento, melhorando as condições de trabalho dos comerciantes, melhorando a imagem das bancas e as condições higiénico-sanitárias existentes, revitalizando as lojas e efectuando obras de manutenção do edifício.

O Mercado Municipal de Sines é de todos nós.

Sines 28 de Novembro de 2006
Um grupo de cidadãos.


segunda-feira, junho 12, 2006

Venda do Património do Estado: Uma oportunidade para a Cidade e para os Cidadãos?


A venda de parte significativa do património imobiliário do Estado na cidade de Lisboa tem sido objecto de sucessivas referências na imprensa.
Anuncia-se uma mudança na imagem da cidade, fala-se do interesse de grandes grupos imobiliários na aquisição desse património, o que terá levado o Presidente da Câmara de Lisboa a anunciar que “estaremos cá para fazer face às tentações do imobiliário”( Público de 14-05-06).
Esta venda de património devoluto do Estado aparece num contexto muito marcado pela dificuldade do Governo em eliminar o défice das contas públicas e pela necessidade imperiosa de aumentar as receitas do Estado.
No entanto, apesar do contexto, importa colocar as seguintes questões:
Está este conjunto de alienações ao serviço de uma Política das Cidades? Pretende-se aproveitar o valor económico e estratégico do património devoluto para concretizar uma visão estratégica que promova e estimule processos de recomposição social e de reordenamento urbano de que Lisboa está tão carenciada?
Historicamente, em Portugal, os momentos em que o Estado promove a alienação do seu património imobiliário considerado devoluto - e não cabe aqui a legítima e prévia discussão sobre a legitimidade de se desactivarem equipamentos públicos para os substituir por imobiliário privado - constituem-se como ocasiões excepcionais para a promoção imobiliária obter significativas mais-valias. O caso, recentemente noticiado pelo Público, no Local de 27 de Maio, da alienação do antigo quartel da Alameda das Linhas de Torre - cuja edificabilidade, definida no PDM, era nula à data da aquisição facto que não demoveu o generoso comprador de investir 7,5 milhões de euros - é paradigmática de como as regras do urbanismo não constituem obstáculo à captura, por parte dos promotores privados, das mais-valias geradas pelas mudanças de uso dentro do uso urbano e pela densificação urbana decididas pela Administração Pública. Passados alguns anos, a edificabilidade do terreno já esteve para ser superior a 50 mil metros quadrados de construção e, parece, prepara-se agora para ser fixada em 30 mil, permitindo ao investidor a captura de mais-valias que são muitas vezes vezes superiores ao capital investido, o que justifica e compensa largamente a aparente generosidade inicial e, porque não dizê-lo, o tempo de espera. Em toda a Europa e na América do Norte o Estado tem vindo a alienar partes do seu património imobiliário tornado obsoleto. No caso Francês, a “recyclage” urbana envolveu sobretudo a reconversão dos terrenos militares mas também do próprio edifícado urbano. Recorde-se que os franceses iniciaram um processo de requalificação do parque habitacional social – conhecido pela sigla HLM de “habitation à loyer modéré” - que levou, nos últimos anos, à demolição de dezenas de milhares de fogos .
O que importa salientar é o facto de, no caso dos terrenos militares, o Ministério da Defesa francês ter criado uma Missão para a Realização dos Activos Imobiliários (MRAI) cuja actividade é enquadrada pela lei geral que regula a alienação do património do Estado e pelo Código do Urbanismo. Esta entidade está impedida de alienar directamente aos privados e tem como seu principal interlocutor os poderes locais. O objectivo não é apenas fazer dinheiro, uma questão naturalmente importante que não é descurada, mas permitir uma reflexão urbana prévia à volta dos referidos espaços a libertar.
O mesmo acontece na Holanda que elegeu a combinação de usos como o objectivo maior da reciclagem urbana. Pretende-se contariar a tendência, estimulada durante anos pelo zonamento do urbanismo do movimento moderno, de transformar os quarteirões em espaços puramente residenciais, trazendo para esses espaços as pequenas empresas de comércio e serviços e os artesãos. Pretende-se apoiar o desenvolvimento durável reduzindo o número de deslocações automóveis necessárias que, como se sabe, nas cidades segregadas, como é cada vez mais o caso de Lisboa, atinge dimensões insustentáveis.
Podíamos referir o exemplo da bacia do Ruhr, com o fim do processo de industrialização a permitir o reordenamento dos espaços devolutos industriais, elegendo como objectivo primeiro dessa intervenção trazer todos os grupos sociais à cidade – caso de Dortmund – fomentando o pluralismo sócio-económico.

Do ponto de vista da cidade, a venda do património do Estado pode ser, deve ser, uma oportunidade imperdível. Trata-se de aproveitar a possibilidade de intervir no processo de produção urbana de forma a obter as respostas negligenciadas pelas dinâmicas dominadas pelos promotores imobiliários. Trata-se de trocar uma lógica de produção urbana segundo a qual os interesses da oferta se sobrepõem aos da procura, uma lógica que faz da cidade um produto e dos cidadãos meros consumidores, por uma outra em que os interesses das diferentes procuras, de todos os grupos sociais independentemente da sua capacidade económica, sejam atendidos na definição da oferta.
Para isso a Cidade deve planear as mudanças necessárias fazendo do Espaço Público o terma central das diferentes intervenções urbanas. Um Espaço Público democrático o que pressupõe uma cidade inclusiva que faça da habitação para todos, do repovoamento e do combate à segregação dos usos e das pessoas as alavancas do processo de recomposição social e de reordenamento urbano.
Não é necessário vir com os fantasmas do financiamento público zero, que tem sido utilizado como o “alíbi” político para justificar a oportunidade dos investimentos privados. Basta que a Administração retenha as mais-valias do processo de transformação urbana e que introduza um sistema perequativo em que as mais-valias geradas pelos usos de maior poder aquisitivo são canalizados para financiar as intervenções destinadas a dar respostas aos sectores mais carenciados. Isto sem hipotecar a possibilidader de o Estado Central realizar as verbas necessárias para fazer face ao sufoco das contas públicas. Pelo contrário, permitindo-lhe resistir à fatalidade de alienar o património a preços de pechisbeque e valorizar em proveito de todos o património que... é de todos.
A cidade agradece. Talvez então a “cidade para os cidadãos” comece a fazer sentido para lá da pura retórica. Uma cidade plural, democrática, não guetizada, não segregada. Uma cidade de todos e para todos e não, como referia (Expresso de 6 de Maio) um eminente membro do Comissariado Baixa-Chiado, Augusto Mateus, a propósito da nova Baixa, uma cidade apenas para os que têm poder de compra.


José Carlos Guinote

Engenheiro Civil pelo IST
Mestre em Planeamento Regional e Urbano pela UT

Publicado no Público -Caderno Local de 11-06-2006


terça-feira, maio 23, 2006

Poluição em Sines - Carta ao Presidente da Assembleia Municipal de Sines


Foi entregue ao Presidente da Assembleia Municipal de Sines uma carta na qual se solicita que os orgãos autárquicos tenham em conta, na discussão das questões associadas à implantação de unidades industriais no concelho, um conjunto de posições. Este documento irá servir de base à recolha de apoios on line e de forma pessoal para sustentar este conjunto de posições impondo às autarquias do concelho a sua discussão.

"EXMº SENHOR PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE SINES


Vimos por este meio solicitar a V. Exª que na discussão das questões associadas à poluição atmosférica e à implantação em Sines de novas unidades poluidores dos sectores petroquímicos e da fileira energética sejam tidas em consideração os seguintes aspectos:

1º - Nos sucessivos estudos de impacto ambiental das novas unidades e da reconfiguração ou ampliação das existentes na caracterização da situação existente em termos de emissões poluentes constata-se que o que se pode ler é invariavelmente o seguinte: "do ponto de vista da poluição atmosférica e da qualidade do ar a análise dos dados das estações de medição existentes na zona (Monte Chãos, Sonega e Monte Velho) não revelaram a existência de valores de concentrações dos poluentes dióxido de enxofre (SO2) e óxidos de azoto (NOx) superiores aos parâmetros estabelecidos na legislação aplicável ".

2º - No capítulo dedicado aos impactos negativos é regra geral dito que "Em termos da qualidade do ar, a análise efectuada permitiu verificar que o projecto em estudo é susceptível de induzir impactes negativos directos e temporários durante a fase de construção, associados essencialmente à emissão de quantitativos não expressivos de poeiras (partículas em suspensão) não afectando aglomerados populacionais ou a qualidade do ar no seu contexto local".

3º -Nos referidos estudos de impacto ambiental é omissa qualquer referência ao impacto das unidades futuras e sobretudo das já existentes em termos de saúde pública. Esta omissão pressupõe a práctica de um crime de negligência por parte das entidades responsáveis.

4º - Como é sabido o constrangimento ambiental é a maior ameaça ao futuro de Sines e ao seu desenvolvimento susutentado como agora se usa dizer.

Nesse sentido solicitamos para que interceda, como legítimo representante da população de Sines, para que futuras decisões a tomar nesta área consagrem as seguintes propostas:

1º - Investimentos na área da indústria pesada em Sines devem ser objecto de uma moratória até que se verifiquem as seguintes situações:

a) Uma entidade credível - o que não é o caso do Instituto do Ambiente - avalie a situação do ar em Sines.

b) Seja feita uma avaliação das principais doenças que afectam a população e das principais causas de morte estabelecendo uma relação com o resto do país. Seja criada uma unidade a operar no âmbito do Hospital do Litoral Alentejano vocacionada para a prevenção e despistagem das doenças associadas à poluição atmosférica.

c) Seja emitida legislação que proiba as empresas industriais de financiarem as autarquias a menos que esses dinheiros sejam determinados pelo Estado no seu montante e objecto de uma cativação específica, por exemplo investimentos em infraestruturas de tratamento de efluentes, captação e tratamento de água, acções de reflorestação, monitorização do estado do ambiente e educação e prevenção ambiental etc.

2º - Na urgente revisão do PDM de Sines sejam redimensiondas as áreas afectas à implantação de unidades industriais de forma a :

a) suprimir as áreas de tancagem a Norte da cidade.

b) - possibilitar que as áreas portuárias não utilizadas actualmente sejam desanexadas e devolvidas à gestão da autarquia. ( caso da Praia Vasco da Gama que deve ser devolvida à gestão municipal passando a integrar o domínio público autárquico.)

3º - Decisões sobre a implantação de novas unidades ou sobre a ampliação de unidades existentes devem ser objecto de uma consulta à população através da realização de um referendo.

Sines, 22 de Maio de 06
Um grupo de cidadãos."


terça-feira, fevereiro 07, 2006

" Ordenamento do Território"


" Li com interesse o artigo dos arquitectos António Jorge Braga e Eduardo da Costa Oliveira no vosso jornal de 2/1/2006 e aproveito a "deixa" para ensaiar algumas precisões.
Há falta de estudos de ordenamento e uma deficiente divulgação do que existe. Mas o pior é o defeituoso planeamento, que já não é só um conjunto de estudos científicos de propostas de salvaguarda de recursos naturais e culturais. É que o planeamento deveria partir do ordenamento mas entrar no processo complexo de uma gestão voluntária segundo princípios políticos, com a participação da população e uma via monitorizada para a tomada de decisões. O primeiro grande erro da nossa administração urbanística é a confusão entre aesfera do ordenamento e a do planeamento do território. Depois resultam as grandes guerras de competências dos próprios organismos do Estado, para não falar do confronto entre ínteresses privados e públicos.
Refere-se a falta de preocupação política relativamente ao ambiente e à paisagem e, do lado privado, a "lógica do fraccionamento territorial e a densidade construída". Ora o problema tem que ser observado de forma um pouco mais elaborada. De facto, a preocupação de lotear e de construir resultou da falência em que caiu a alternativa, ou seja, a actividade agrícola. E aí, como bem dizem os articulistas, confrange assistir à "ausência de uma adequada política de ordenamento que abranja todo o território."
Para sermos mais rigorosos, deveria dizer-se: uma política do ordenamento e do planeamento. É que essas visões, que deveriam ser complementares e convergentes, surgem em organismos diferentes, com competências equívocas e, por vezes, assumindo critérios divergentes, deitando por terra o esforço, que uns e outros fazem com um objectivo comum mas através de estratégias que se negam umas às outras.
Ouve-se de tudo um pouco: "o solo fértil deve ser defendido, é o maior problema a enfrentar no nosso país"; "há que fazer os planos urbanísticos sem expansão, só utilizando os perímetros já existentes"; " as expansões marcadas davam para construir 20 vezes mais do que é necesário". (...)
Encontros e diálogos que de nada servem se não permitirem a convergência numa mensagem clara e devidamente divulgada. Bom seria que a univesidade e a comunicação social se assumissem nesse sentido, trabalhando com empenho e persistência. Seria bom também que se delimitasse melhor o conceito e funções dos urbanistas e a sua colaboração dialogante com os arquitectos no campo profissional.
É preciso evitar que alguns profissionais ainda pensem que o urbanismo é equivalente a um projecto de grandes dimensões. Esquecem-se totalmente da importância dos planos, com todo o seu enquadramento em espaços-plano necessários à sua boa coordenação; e da gestão específica,ad hoc, única forma de legitimar o próprio planeamento como processo de disciplinar a ocupação do tritório e de distribuir a qualidade dos espaços urbanos por toda a população.
Há que definir o urbanismo seguindo os seus parâmetros fundamentais, que são o tempo e a estratégia. Por aqui se chegaria à questão dos objectivos gerais e específicios e à mobilização dos meios necessários às operações. A administração pública tem então que aprender a jogar com todos os factores aflorados ecom os artistas do território (...) Ao referir o PDM, há que retomar os sãos príncipios que o definem como um documento estruturante(...).
Finalmente, convém não esquecer que a defesa de espaços não construídos e da paisagem em geral deverá sê-lo através de uma gestão activa e assumida conjuntamente pelas autarquias locais, pelos organismos públicos especializados e pela própria população e suas organizações."

Carta do professor Manuel Costa Lobo publicada, com cortes, na rúbrica "Caetas ao Director" do passado dia 6 de Fevereiro.


avaliação de Impacte ambiental do projecto "Ampliação da Fábrica de Etileno do Complexo petroquímico de Sines


Transcrevemos o Resumo Não Técnico disponível na página do Instituto do Ambiente. (sublinhados da nossa responabilidade)
PREÂMBULO

O Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do projecto da “Ampliação da Fábrica de Etileno do Complexo Petroquímico de Sines para 425.000 ton/ano”, de que este documento é o Resumo Não Técnico, foi realizado de acordo com a Legislação em vigor à data da sua elaboração,isto é, o D.L. nº 69/2000 e a Portaria nº 330/2001.
O promotor do projecto é a REPSOL POLÍMEROS, Lda encontrando-se o empreendimento em Fase de Projecto de Execução.
Pretende-se com o presente Resumo Não Técnico, e de acordo com a legislação referida,explicitar os aspectos analisados no Relatório do Estudo de Impacte Ambiental, de forma sintetizada e em linguagem simples mas rigorosa, contribuindo para a informação e esclarecimento do Público, das Entidades Oficiais e dos Decisores, sobre os principais impactes ambientais do empreendimento, no sentido da compatibilização do desenvolvimento socioeconómico da zona onde se pretende implementar o projecto, com a protecção do Ambiente, numa óptica, hoje aceite internacionalmente, de desenvolvimento sustentável.
O Estudo de Impacte Ambiental foi realizado entre Julho e Outubro de 2005 por uma equipa multidisciplinar de 8 técnicos, o que permitiu o aprofundamento das diversas vertentes ambientais de forma integrada.
Agradecem-se os contactos possibilitados e a informação amavelmente cedida pelas
entidades oficiais para a realização do Estudo de Impacte Ambiental.
Tratando-se este documento de um resumo, recomenda-se a consulta do Relatório do Estudo de Impacte Ambiental e seus Anexos Técnicos para esclarecimento de aspectos de maior detalhe e das metodologias utilizadas na análise das diversas vertentes ambientais e sócioeconómicas.

QUAIS OS OBJECTIVOS DO PROJECTO ?

O presente projecto tem por objectivo elevar a capacidade actual de produção da Fábrica de Etileno do Complexo Petroquímico (Steam Cracker) de 375.000 ton/ano de etileno, para uma produção máxima de cerca de 425.000 ton/ano de etileno.
O projecto constitui-se como o primeiro aumento de capacidade e modernização do Steam Cracker ao fim de 25 anos de operação, contribuindo para a competitividade económica de todo o Complexo Petroquímico de Sines e para a sustentabilidade do emprego directo de cerca de 450 pessoas.

EM QUE CONSISTE O EMPREENDIMENTO ?

O projecto de Ampliação da Fábrica de Etileno do Complexo Petroquímico da REPSOL em Sines será realizado no interior das instalações do Complexo Petroquímico e ocupará exclusivamente áreas afectas ao Complexo, apresentando-se a localização destas instalações na Figura 1.
O Complexo Petroquímico de Sines é constituído por unidades industriais cujo objectivo é a obtenção de diversos produtos derivados do petróleo – etileno e outros - os quais irão ser utilizados como matéria-prima para a fabricação de, por exemplo, aditivos de gasolina (ETBE) e de plásticos (PEAD-Polietileno de Alta Densidade e PEBD- Polietileno de Baixa Densidade).
Assim, são produzidos no Complexo: etileno, propileno, gasolina de pirólise, fuel óleo de pirólise, polietileno de alta densidade, polietileno de baixa densidade, butadieno e aditivo de gasolina (ETBE). Destes produtos uns são expedidos para o exterior e outros reutilizados na instalação.
A produção de etileno efectua-se a partir da nafta (derivado do petróleo) sendo também utilizadas pequenas quantidades de gases butano, propano e etano, sujeitando estas matérias-primas a uma partição por vapor (“steam cracking”, craqueamento ou pirólise) em oito fornalhas já existentes. Neste processo, a corrente de nafta e dos gases é aquecida nasfornalhas e misturada com o vapor provocando-se o craqueamento (steam cracker) doshidrocarbonetos em moléculas de menor dimensão. A mistura complexa de produtosresultantes desta separação é sujeita a uma série extensa de separações / destilações e tratamentos químicos que permitem a obtenção dos produtos desejados – etileno e outros.
A Figura 2 ilustra, de forma simplificada, as principais unidades e processos existentes no Complexo Petroquímico da REPSOL.
Para além das unidades produtivas, o Complexo Petroquímico possui uma Central Térmica para a produção de vapor e de electricidade, uma área de tancagem onde se efectua a armazenagem de produtos e uma Instalação de Tratamento de Efluentes (ITE) que recebe os efluentes industriais, domésticos e pluviais originados no Complexo.

Para se atingir o objectivo de aumentar a produção de etileno para 425.000 ton/ano, será utilizada uma maior quantidade de matéria-prima, maioritariamente nafta, cujo consumo passará de cerca de 1,1 milhões de ton/ano para cerca de 1,2 milhões de ton/ano (serão
também utilizados os gases propano e butano como matéria-prima).
Pelo facto de se utilizar uma maior quantidade de matérias-primas será necessário utilizar uma maior quantidade de “fuel gas” como combustível das fornalhas. Assim, o projecto prevê um aumento da quantidade de fuel gás, das actuais cerca de 187.000 ton/ano paracerca de 265.000 ton/ano.
O projecto consistirá essencialmente em alterações nos equipamentos existentes da Fábrica de Etileno sem recorrer à instalação de novas fornalhas. As alterações consistirão maioritariamente na substituição de tubagens, substituição de bombas, substituição de pratos das torres de separação (“retraying”) e relocalização de equipamentos abrangendo:

• 8 permutadores de calor;
• 7 recipientes pressurizados (“drums”);
• 2 secadores;
• 9 colunas/torres de separação.
Serão também instalados os seguintes equipamentos novos:
• 7 permutadores de calor;
• 2 recipientes pressurizados (“drums”);
• 1 secador.
Todos estes equipamentos serão instalados dentro da Fábrica de Etileno em diferentes locais,ocupando no conjunto uma área de cerca de 100 m2 (ver Anexo II do EIA). Na zona de tancagem do Complexo (dentro das actuais instalações do Complexo Petroquímico) será construído um tanque de armazenagem de gasolina de pirólise com uma
capacidade de armazenagem de 18.300 m3. Este tanque terá uma altura de 18 metros e um diâmetro de 36 metros e ficará instalado numa bacia de retenção, destinada a conter eventuais fugas de produto, que ocupará uma área de cerca de 0,8 ha.

Não haverá qualquer aumento de capacidade das outras fábricas do Complexo Petroquímico.O investimento necessário para realizar a modernização e ampliação da Fábrica de Etileno é de cerca de 19 M €.

As primeiras actividades da construção estão previstas para ocorrerem de Abril a Setembro de 2006, mas a maior intensidade de trabalhos de construção ocorrerá com a prevista paragem da Fábrica de Etileno, entre Outubro e Novembro de 2006. A entrada em funcionamento da Fábrica de Etileno já ampliada será efectuada logo de seguida.

A fase de construção envolverá cerca de 255 empregos, dos quais 30 nos primeiros 6 meses e 225 nos últimos dois meses da construção (Outubro e Novembro).

QUAL A SITUAÇÃO ACTUAL DO AMBIENTE?

Em termos de ocupação de solos, a Área de Sines apresenta uma importante ocupação industrial, subsistindo importantes manchas de ocupação florestal e agrícola. A área onde se vai desenvolver o projecto localiza-se exclusivamente no interior do Complexo Petroquímico de Sines (Fábrica de Etileno e zona de tancagem - tanque de gasolina de pirólise). Os solos do interior do Complexo foram, à data da sua construção, preparados para a utilização industrial, tendo sido terraplenados, compactados e infra estruturados de acordo com este fim.
Na Fábrica de Etileno a ocupação caracteriza-se pela existência de equipamentos fabris, enquanto que na zona de tancagem destinada ao tanque de gasolina existe alguma vegetação sem qualquer estatuto de protecção e cerca de 30 pinheiros (ver fotos seguintes).


Relativamente à geologia e hidrogeologia da zona, ocorrem predominantemente
formações arenosas – areias e cascalheiras, não havendo aquíferos superficiais importantes.
Existem 5 captações de água subterrânea pertencentes à Câmara de Sines na zona de
Ribeira de Moinhos, 4 a cerca de a cerca de 500 metros a Sudoeste do limite do Complexo e 1 a cerca de 500 metros a Sul, mas que captam a profundidades elevadas, explorando aquíferos profundos.

O curso de água mais próximo do Complexo Petroquímico é a ribeira de Moinhos, uma linha de água temporária que se desenvolve a Sul do Complexo na direcção Este-Oeste. Os efluentes industriais do Complexo Petroquímico sofrem um tratamento na Instalação de Tratamento de Efluentes (ITE) existente no Complexo, sendo seguidamente descarregados para os colectores das Águas de Santo André e conduzidos para a Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Ribeira de Moinhos, não havendo por isso descarga de efluentes industriais na ribeira de Moinhos. Esta situação é semelhante à que ocorre noutras indústrias da zona como por exemplo a Refinaria de Sines.

Do ponto de vista da poluição atmosférica e da qualidade do ar a análise dos dados das estações de medição existentes na zona (Monte Chãos, Sonega e Monte Velho) não revelaram a existência de valores de concentrações dos poluentes dióxido de enxofre (SO2) e óxidos de azoto (NOx) superiores aos parâmetros estabelecidos na legislação aplicável.

Foram identificadas algumas situações pontuais de valores de concentrações de ozono (O3)
superiores aos valores limite relativos a este poluente. A formação deste poluente não
resulta directamente das emissões das unidades industriais, estando relacionada com a
conjugação de situações particulares de temperatura, radiação solar e de concentrações de NOx e hidrocarbonetos.

Efectuaram-se também simulações matemáticas, através da utilização de modelos de dispersão de poluentes, para determinar as concentrações actuais de poluentes na área em estudo atendendo aos contributos das diversas unidades industriais existentes na zona – Complexo Petroquímico da REPSOL, Refinaria da GALP ENERGIA, Central Térmica da EDP,CARBOGAL, EURORESINAS e RECIPNEU. Os dados obtidos indicaram também verificação de valores de concentrações inferiores aos estabelecidos na legislação para os poluentes simulados – SO2, NOx, PTS (partículas em suspensão) e CO (monóxido de carbono).

O ambiente sonoro na envolvente próxima do Complexo Petroquímico é influenciado
essencialmente pela laboração desta unidade e pelo tráfego rodoviário dos IP 8 e IC 4. Para caracterizar o ambiente sonoro efectuaram-se medições de ruído em 4 pontos na sua envolvente, tendo-se obtido valores (entre os 44 dB(A) e os 55 dB(A) para o período diurno e os 42 dB(A) e os 44 dB(A) para o período nocturno) que não excedem os limites estabelecidos no Regulamento Geral do Ruído.
Relativamente à fauna e flora, não foram identificados, quer na área do projecto quer em referências bibliográficas, quer nos reconhecimentos de campo efectuados, valores
importantes do ponto de vista das comunidades vegetais naturais, nem valores faunísticos de valor conservacionista.
Relativamente à qualidade da paisagem, esta é influenciada essencialmente pelo tipo de ocupação do solo, tendo-se considerado que a zona do projecto apresenta uma qualidade visual reduzida nas zonas industriais (que são predominantes) e uma qualidade visual média no caso das zonas com usos agrícolas e florestais.

Em termos de instrumentos de planeamento e ordenamento do território segundo oPlano Director Municipal (PDM) de Sines a área onde se desenvolve o projecto é considerada “Espaço Industrial” não apresentando condicionantes ao uso em termos da existência de terrenos pertencentes à REN (Reserva Ecológica Nacional), RAN (Reserva Agrícola Nacional) ou ao Domínio Hídrico.

Do ponto de vista socioeconómico, no concelho de Sines o sector dominante de ocupação da população activa é o sector terciário, seguindo-se o sector secundário, no qual as indústrias transformadoras têm um peso dominante.
Em termos de acessibilidades, o acesso ao Complexo Petroquímico é efectuado a partir do IP8, que liga Sines ao IP1, não havendo a registar dificuldades de escoamento do tráfego nessas vias.
No Capítulo IV do Relatório do Estudo de Impacte Ambiental (“Caracterização do Ambiente Afectado pelo Projecto”) encontram-se descrições mais detalhadas dos aspectos abordados neste Resumo Não Técnico.

QUAIS OS POTENCIAIS IMPACTES NEGATIVOS E
POSITIVOS?


Os Estudos de Impacte Ambiental não têm por objectivo fundamental, nem devem,
pronunciar-se sobre se os projectos em análise poderão ou não ser implementados, mas sim,esclarecer o Público, as Entidades Oficiais e os Decisores sobre quais os eventuais impactessignificativos (importantes), negativos ou positivos, decorrentes dos empreendimentos.
Impactes importantes são aqueles em que se configura uma potencial violação, devida ao empreendimento, de por exemplo, padrões da qualidade do ar, da qualidade da água ou dosníveis de ruído, fixados por Lei, ou de Planos de Ordenamento do Território, ou afectações deÁreas Protegidas ou Parques Naturais e Nacionais, entre outros aspectos ambientais.
Com a audição de todas as partes, como decorre do espírito e da letra das Directivas
Europeias e da Legislação Nacional, a decisão final deverá procurar compatibilizar o
Desenvolvimento Socioeconómico desejado com a Preservação do Ambiente, isto é,
assegurar o Desenvolvimento Sustentável da Região.
Procura-se, neste ponto, com base na análise efectuada em detalhe no Capítulo V do
Relatório do Estudo de Impacte Ambiental, e tendo em conta as medidas de minimização de impactes negativos aí recomendadas, evidenciar os principais impactes positivos e negativos residuais1 resultantes da implementação do empreendimento.

Assim, em termos de impactes nos solos, o projecto de Ampliação da Fábrica de Etileno desenvolver-se-á no interior do Complexo Petroquímico da REPSOL, ocupando solos destinados ao uso industrial. Ocupará irreversivelmente uma área de cerca de 0,8 ha de solos, correspondendo maioritariamente à instalação da bacia de retenção do novo reservatório de gasolina de pirólise. Os restantes equipamentos ocuparão relativamente pequenos espaços mas no interior da própria Fábrica de Etileno já existente. Esta ocupação de solos apresenta uma magnitude desprezável, face aos cerca de 51 ha de área já ocupada por zonas fabris no interior do Complexo e face à sua área total (cerca de 128 ha), pelo que o correspondente impacte é considerado como não significativo.
O projecto será excedentário em terras (cerca de 2.200 m3) resultantes essencialmente da escavação para inserir o tanque de gasolina de pirólise, pelo que se recomendou a adopção de medidas específicas relativamente às terras sobrantes, no sentido da escolha criteriosa dos locais de deposição, em particular se forem identificadas terras contaminadas com hidrocarbonetos e/ou metais.
Analogamente se deverá inventariar da existência ou não de amiantos nos materiais de isolamento de tubagens a remover, e planear o seu tratamento e destino final adequado,como resíduo perigoso.

1 Impactes após medidas de minimização de impactes negativos
O tipo de resíduos produzidos no Complexo Petroquímico não sofrerá alterações com asmodificações resultantes da Ampliação da Fábrica de Etileno, prevendo-se um ligeiro
acréscimo na produção de coque, de resíduos de manutenção e de lamas da Instalação deTratamento de Efluentes. As práticas de gestão de resíduos já existentes na REPSOL nãofazem prever impactes negativos significativos nos solos.

Em relação aos recursos hídricos, o aumento da área impermeabilizada devido à
construção da bacia de retenção do tanque de gasolina de pirólise induzirá um acréscimo muito reduzido nos caudais de águas pluviais, não se prevendo que tal acréscimo afecte os sistemas de drenagem e tratamento existentes no Complexo Petroquímico, pelo que os correspondentes impactes cumulativos na drenagem não serão significativos. Durante a fase de exploração do projecto, o caudal de efluentes líquidos provenientes da Fábrica de Etileno sofrerá um pequeno acréscimo devido à necessidade de efectuar mais purgas nos equipamentos que se irão instalar. Não se prevendo uma alteração da qualidade do afluente à Instalação de Tratamento de Efluentes do Complexo e estando garantida a capacidade excedentária de tratamentos desta instalação, não são expectáveis impactes indirectos cumulativos negativos e significativos na qualidade do meio receptor final (meio marinho, após tratamento na Estação de Tratamento de Águas Residuais da ribeira de Moinhos) dos efluentes do Complexo Petroquímico.

Em termos da qualidade do ar, a análise efectuada permitiu verificar que o projecto em estudo é susceptível de induzir impactes negativos directos e temporários durante a fase de construção, associados essencialmente à emissão de quantitativos não expressivos de poeiras (partículas em suspensão) não afectando aglomerados populacionais ou a qualidade do ar no seu contexto local. Foram recomendadas um conjunto de medidas de minimização relativas a cuidados no transporte de terras e ao controlo, por aspersão com água, das emissões de poeiras que, se implementadas, deixam perspectivar que os impactes residuais na qualidade do ar não serão significativos.

Na fase de exploração do projecto, ocorrerá um acréscimo dos quantitativos de “fuel-gas” queimado nas fornalhas da Fábrica de Etileno. Foram estimadas as emissões das principais unidades industriais de toda a Área de Sines (Refinaria da GALP ENERGIA, Complexo Petroquímico da REPSOL, Central Térmica da EDP, CARBOGAL, RECIPNEU e EURORESINAS) e, em conjunto com as novas emissões do Steam Cracker após a expansão, calculados os valores cumulativos de concentrações para os vários poluentes atmosféricos. A previsão efectuada pelo modelo de simulação utilizado indicou valores cumulativos de concentração no ar ambiente de NOx, SO2, Partículas e CO inferiores aos valores limite legais aplicáveis.
As simulações efectuadas relativamente à emissão de benzeno na zona de tancagem apontam também para um acréscimo na concentração de benzeno no ar ambiente dentro do Complexo Petroquímico, embora o valor se situe muito abaixo do limite legal estabelecido.Face ao exposto, existirão impactes negativos cumulativos directos e permanentes na qualidade do ar resultantes da Ampliação da Fábrica de Etileno, mas não serão significativos (não importantes) em termos da Qualidade do Ar ou de Saúde Pública.

Os potenciais impactes negativos no ambiente sonoro na fase de construção resultam em particular das operações de movimentação de terras que envolvem normalmente a utilização de equipamentos/veículos muito ruidosos. Face ao número de camiões previsto para a obra (um total de cerca 150 a 200 distribuídos por um período de dois meses) e aos níveis sonoros que se verificam perto das habitações dispersas localizadas próximas do Complexo, não serão excedidos os limites estabelecidos por lei, não se verificando assim impactes negativos significativos no ambiente sonoro.
Recomendou-se que as obras se limitem ao período das 7h às 20h no sentido de se evitarem potenciais situações de incomodidade em habitações.
A análise efectuada permitiu verificar que na fase de exploração da Fábrica de Etileno não há aumento das actividades ruidosas em relação à situação actual, pelo que não são expectáveis quaisquer impactes negativos significativos cumulativos no ambiente sonoro.
Na única nova área (0,8 ha) a ocupar com o projecto no interior do Complexo – tanque de gasolina de pirólise – não existem quaisquer valores importantes ou sensíveis de fauna ou flora. Assim, a análise efectuada permitiu verificar que não são expectáveis impactes negativos significativos na flora, fauna e habitats da área em estudo, quer na fase de construção, quer na fase de exploração.
Relativamente à paisagem, da análise efectuada verificou-se que o projecto de Ampliação da Fábrica de Etileno será indutor de impactes negativos na paisagem durante a fase de construção, fundamentalmente associados à desorganização do espaço das zonas em construção em consequência da implantação e funcionamento dos estaleiros e das acções inerentes à fase de construção. Tais impactes terão no entanto uma magnitude reduzida e um carácter temporário não sendo considerados significativos.
Durante a fase de exploração as características paisagísticas do local não serão modificadas, mantendo-se a continuação da tipologia de ocupação existente. A única alteração perceptível introduzida pelo projecto será a construção de um tanque de armazenagem de gasolina de pirólise com cerca de 18 metros de altura e um diâmetro de 36 metros. Este tanque dificilmente será detectado de pontos no exterior de potencial visibilidade para o Complexo.
As outras intervenções do projecto serão pequenas alterações nos equipamentos e tubagens. Face ao exposto os impactes directos e permanentes na paisagem não serão significativos. A área de implantação do projecto não apresenta incompatibilidades com o definido no Plano Director Municipal de Sines pelo que não se verificarão impactes negativos no ordenamento do território.

Em síntese, tendo em conta as características do projecto de Ampliação da Fábrica de
Etileno do Complexo Petroquímico de Sines da REPSOL e tendo por base a análise realizada em detalhe (ver Capítulo V do Estudo de Impacte Ambiental), é possível afirmar que – tomadas todas as medidas de minimização de impactes negativos aí descritas – não são previsíveis impactes negativos significativos (importantes) residuais (isto é, após medidas de minimização de impactes) em nenhum dos descritores ambientais cuja avaliação é exigida em termos da Legislação Portuguesa ou da União Europeia, nomeadamente, nos solos, nos recursos hídricos, na qualidade do ar, no ambiente sonoro, na fauna e na flora, na paisagem,no ordenamento do território e nas populações. A expansão do Steam-Craker será indutora de ligeiro acréscimo de riscos ambientais já existentes (incêndios com emissões de CO e CO2, por exemplo) relativo ao ligeiro aumento de capacidade (cerca de 13% de produção de etileno).
Analogamente, existirá um acréscimo de riscos ambientais, relacionados por exemplo com eventuais derrames de produtos no mar, devidos ao acréscimo de navios induzido pelo projecto nos movimentos do Porto de Sines (cerca de 8% até 2007 e cerca de 3%
subsequentemente) mas este não será expressivo.
Em ambos os casos existem Planos de Emergência quer da REPSOL quer do Porto de Sines minimizando os potenciais riscos ambientais.

Explicitando agora os impactes positivos deste projecto, deve referir-se que a fase de construção do projecto irá criar cerca de 30 postos de trabalho temporário entre Abril e Setembro de 2006, e cerca de 225 entre Outubro e Novembro desse ano, o que constitui um impacte positivo embora temporário e não significativo ao nível da socioeconomia.
Considera-se também que, apesar de não serem directamente criados novos postos de trabalho na fase de exploração do projecto, todo o sistema económico local e regional beneficiará a médio/longo prazo dos efeitos multiplicadores do aumento da produção na unidade da REPSOL, em particular no que se refere a exportações do País, pelo que o impacte indirecto será permanente e positivo.

A Ampliação da Fábrica de Etileno contribui para a necessária revitalização (após 25 anos de funcionamento) do Complexo Petroquímico e consequentemente para a sustentabilidade dos cerca 450 postos de trabalho existentes, o que constitui um impacte directo, positivo e significativo ao nível da socioeconomia da Cidade de Sines e de toda a da Região do Alentejo.
O investimento de cerca de 19 M € associado à ampliação, e os seus efeitos na economia da Cidade de Sines e na Região Alentejo, constituem um impacte socioeconómico directo, positivo e importante (significativo).

QUE PLANOS DE MONITORIZAÇÃO /
ACOMPANHAMENTO DO PROJECTO E MEDIDAS DE
MINIMIZAÇÃO SE RECOMENDAM?

Os programas de monitorização/acompanhamento do empreendimento propostos no Capítulo VI do Relatório do Estudo de Impacte Ambiental, incluem monitorizações a realizar:
a) Durante a fase de construção: resíduos gerados (tipos, quantidades e destino final);
b) Durante a fase de exploração:
• manutenção dos programas de monitorização já em vigor no Complexo da
REPSOL – efluentes líquidos e gasosos e resíduos;
• realização de uma campanha de medições de ruído na envolvente próxima
da instalação;
• realização de análises às águas pluviais descarregadas na ribeira de Moinhos;
• realização de análises a solos e águas subterrâneas em 2-3 pontos no limite
do Complexo.


O Relatório do Estudo de Impacte Ambiental apresenta ainda diversas medidas de
minimização de impactes negativos, as quais podem ser analisadas em detalhe no seu Capítulo V.
Salientam-se neste resumo apenas algumas das principais medidas de minimização
propostas no EIA:
• Gestão adequada dos resíduos produzidos em obra, em particular de terras
sobrantes que possam apresentar contaminação com hidrocarbonetos e/ou metas
pesados;
• Fiscalização rigorosa dos procedimentos já existentes na REPSOL para a gestão dos
resíduos produzidos na fase de construção do projecto;
• Realização de um levantamento / inventariação de substâncias contendo amianto,
eventualmente existente nos isolamentos das tubagens que serão desmontadas.


segunda-feira, janeiro 30, 2006

A lenta dissolução dos partidos


A partir da leitura da análise que Pacheco Pereira faz da dissolução das estruturas partidárias julgo ser interessante tecer algumas considerações.
Em primeiro lugar a realidade que Pacheco Pereira identifica e que se traduz na incapacidade dos partidos de recrutarem pessoas qualificadas por contraponto com a disponibilidade que essas mesmas pessoas manifestam para participar em comissões de honra e conferências tipo “Novas Fronteiras”, grupos de estudo etc, julgo que não se coloca no campo das fatalidades mas resulta de opções e escolhas que os partidos conscientemente fizeram.
Os partidos evoluíram no sentido de se assumirem cada vez mais como estruturas de representação em primeiro lugar dos interesses dos seus militantes, abdicando da sua vocação de representação dos interesses de amplos sectores da sociedade. Desta forma são hoje cada vez menos estruturas de representação política e cada vez mais estruturas de representação corporativa. Este facto torna a luta interna pela promoção política e o acesso a lugares de poder, que garantam influência e longevidade na função, particularmente dura e desleal, não sendo claro que existam condições para a ascensão dos mais qualificados, dos mais capazes, dos que têm vida profissional para lá da vida partidária, sendo possível que pequenos tiranetes possam, facilmente, impedir a sua ascensão nas estruturas partidárias. Ora cada vez menos gente está disponível para passar por esse tipo de provação existindo alternativas de aproximação aos lugares apetecíveis muito mais “baratas” e eficazes mas que, infelizmente, não contribuem para travar o declínio das estruturas partidárias.
A meritocracia não foi instituída na vida partidária e isso releva da escolha que referi. A vida partidária é hoje na generalidade das situações entendida como uma possibilidade de carreira muito compensatória independentemente do nível e da qualidade das aptidões profissionais de que se disponha.
As famosas quotas dos secretários-gerais para a formação dos grupos parlamentares é uma evidência desta situação e resulta do facto de se pretender atenuar os efeitos arrasadores desta realidade na composição/qualificação dos grupos parlamentares. Com resultados medíocres, no entanto, até porque os secretários-gerais não podem descurar os seus apoios internos.

É nas estruturas locais e no seu modo de funcionamento que está o cerne da questão a meu ver. Essas estruturas locais fechadas que Pacheco Pereira refere, são locais por excelência da não discussão política, da não discussão de projectos de intervenção política ao nível local ou regional. Estruturas fortemente apolíticas nas quais a simples compreensão de uma conta de gerência ou de uma proposta de orçamento municipal se revela uma tarefa ciclópica para a generalidade dos militantes, quanto mais um plano de ordenamento do território ou a visão estratégica para um concelho num horizonte temporal de médio/longo prazo.
É claro que faltando estas qualificações básicas para a intervenção política sobram “qualificações” para o estabelecimento de cumplicidades com os poderes económicos que vampirizam a vida dos partidos, como referiu o Dr. Paulo Morais na última campanha eleitoral. Em particular com os sectores associados ao imobiliário. Esta inexistência de um determinado tipo de aptidões e a existência de outras contribui para a dissolução da especificidade partidária. O que será hoje o projecto autárquico do partido A,B ou C, e não excluo o PCP ou o BE.

A debilidade dessas estruturas locais faz com que a sua direcção política seja muitas vezes pré-determinada pelas opções dos presidentes das federações contrariamente ao que em tese se passaria com aqueles a emanarem das escolhas dos organismos de base. São estes homens e mulheres, que em regra, no PSD e no PS, passam pelos Governos Civis, que põem e dispõem na vida dos partidos ao nível local e que passados alguns meses de ascenderem ao poder criam a base para aí se perpetuarem.

Existem soluções para estas situações que como referi não resultam de uma fatalidade mas de escolhas. Defendo há anos que uma intervenção deve passar em primeiro lugar pelo nível local. Limitando os mandatos, simplificando as candidaturas independentes, pondo fim aos executivos pluripartidários - separando poder executivo de poder legislativo - reforçando os poderes e os meios das Assembleias Municipais como órgãos de efectivo controle democrático da função executiva .
O problema é que a classe política, que não se regenera de per si, não está para aí virada. Ninguém abdica dos seus privilégios, nem das benesses que desde sempre elegeu como o seu objectivo principal e que justificam os sacrifícios que fez. Talvez por isso só em 2013, na melhor das hipóteses, a limitação de mandatos será efectiva.
Até lá vai continuar a crescer a descrença nos partidos e nos políticos, campo fértil para o florescimento de todo o tipo de populismos. E vai continuar a degradar-se a qualidade da intervenção partidária pelo que as escolhas que colectivamente teremos que fazer serão muito provavelmente más escolhas e escolhas, irremediavelmente, fora do tempo.


sexta-feira, janeiro 20, 2006

A questão do Tempo e os Planos de Pormenor - I


Uma versão integral do texto, que foi comprimido para poder ser publicado num jornal com as características do Público.


A questão do tempo e os Planos de Pormenor

Muito recentemente os Planos de Pormenor foram notícia com base em referências de diversos protagonistas com responsabilidade nas áreas do urbanismo e da arquitectura.
Alguns manifestaram estupefacção perante o facto de os Planos de Pormenor terem registado tão pouca adesão por parte dos decisores políticos com responsabilidade nesta matéria que, como se sabe, são os autarcas. Outros, mais recentemente – caso da arquitecta Helena Roseta, no Público de 21 de Outubro de 2005 – vieram reclamar menos tempo de aprovação dos PP´s para que não se transformem em instrumentos de perda de capacidade competitiva dos investidores.

A questão da necessidade de agilizar os procedimentos burocráticos que levam a que os Planos – e não só os de Pormenor – demorem tantos anos a serem elaborados é um ideia recorrente e, por si só, susceptível de gerar um alargado consenso. No entanto, considerada isoladamente, pode ser uma ideia perigosa e simplista.

Por um lado, porque reforça o ponto de vista de que a ineficácia do Planeamento de Pormenor se deve, sobretudo – para não dizer exclusivamente – à morosidade na sua elaboração. Para os defensores desta tese, o sistema de Planeamento que temos seria óptimo não fosse esse pequeno senão da elaboração dos Planos ser muito demorada. Note-se que, no conjunto das críticas que se formulam, nunca são abordadas as questões dos conteúdos e da qualidade dos Planos.
Por outro lado, porque esta insistência na questão temporal estimula a difusão de uma ideia perversa que é a de que um planeamento light é sempre um melhor planeamento, uma vez que antecipa a chegada à fase do projecto de urbanização e do projecto de arquitectura. Trata-se de uma ideia difundida por aqueles que desvalorizam o urbanismo, promovendo a confusão entre urbanismo e arquitectura e atribuindo a má qualidade das nossas cidades e o desordenamento do território a um défice da intervenção dos arquitectos.

Se persistíssemos no erro de limitar a discussão à questão temporal haveria, mesmo assim, algumas considerações a fazer. Em primeiro lugar o tempo de elaboração dos Planos não é um tempo uno. Há o tempo excessivo, e em larga medida inútil, dos burocratas, consumido na circulação de pareceres, na falta de solidariedade, e mesmo na desconfiança, entre os diversos níveis da Administração Pública.
O tempo inútil do urbanismo burocrático, incapaz de admitir as especificidades do processo de produção urbana, cioso de uma interpretação jurídica eminentemente repressiva. Este é um tempo que urge reduzir significativamente, já que não se pode eliminá-lo.

Há, por outro lado, o tempo escasso para o trabalho de planeamento, que deve ser alargado e que passa pela revalorização do papel, da responsabilidade e da independência técnica da intervenção dos urbanistas. Um tempo que importa qualificar, recuperando as fronteiras éticas entre o público e o privado, entre o plano e o projecto. O Planeamento em Portugal e na generalidade dos países europeus é uma competência e uma responsabilidade pública. Nesse sentido exige-se ao urbanista que tenha a independência do legislador, sendo a sua lealdade dirigida, acima de tudo, ao interesse público. Com o advento do urbanismo de produtos, são cada vez mais os casos em que os destinatários da encomenda dos grandes promotores imobiliários realizam, como complemento das grandes urbanizações que projectam, Planos que visam “costurar” as diferentes intervenções. Uma paródia do urbanismo.

E há, sobretudo, o tempo escasso da discussão pública, esse instituto eminentemente democrático, que actualmente é verdadeiramente residual e que urge aumentar significativamente. Repare-se na contradição existente quando se fala em excesso de tempo para a aprovação de um Plano de Pormenor e a Lei determina um máximo de 22 dias – Artº 77º-6º do D-Lei310/2003 – para o período de discussão pública. Alargar o período de discussão pública, impondo exigências qualitativas aos urbanistas, impondo, nomeadamente, legibilidade e clareza às propostas de desenho urbano que formulam.
Claro que importa tornar essa discussão útil, impedindo a pouca vergonha da eliminação da sua eficácia através da desvalorização sistemática das reclamações dos cidadãos, uma prática recorrente entre os autarcas, apoiada, por questões alimentares, por tantos e tantos técnicos ciosos dos seus contratos.

Se fosse esta a questão principal que se coloca hoje ao nosso Sistema de Planeamento Urbanístico, eu diria que, mais do que diminuir o tempo necessário para elaborar os Planos, importa requalificá-lo de uma forma mais inteligente e mais democrática, incentivando a participação daqueles a quem o planeamento se destina em última análise: os cidadãos.

Mas, para além destas questões eminentemente temporais será que existem outras razões para que o Planeamento de Pormenor seja ineficaz? Será que a ineficácia se pode medir pelo facto de ele afastar os investidores da intervenção nas nossas cidades? Ou devemos eleger outras razões como determinantes da sua constatada ineficácia?

O declínio do Planeamento de Pormenor como forma de garantir a qualificação do desenvolvimento urbano não ocorreu unicamente em Portugal. Em toda a Europa se travou essa discussão tendo-se estabelecido uma relação entre o declínio do planeamento de pormenor e a perda de influência do espaço público nas cidades. Há um conjunto de factores identificados como determinantes desse declínio, destacando-se a submissão dos objectivos do planeamento às dinâmicas da iniciativa privada e, em particular, às dinâmicas do sector imobiliário entre as mais relevantes. Em Portugal existem diversos aspectos que concorrem para que o Planeamento de Pormenor seja pouco utilizado e, quando utilizado, seja ineficaz. Vamos tentar sistematizar alguns dos aspectos mais relevantes que concorrem para a actual situação e avançar algumas ideias sobre o que fazer para a alterar.

Do ponto de vista dos autarcas, o Planeamento Urbanístico foi inicialmente entendido como uma formalidade que era necessário satisfazer para viabilizar o acesso a fundos comunitários. Desde esses tempos verificou-se alguma evolução mas a opção clara que domina não vai no sentido de utilizar o urbanismo para qualificar o desenvolvimento urbano, para contribuir para a preservação dos recursos naturais e para garantir aos cidadãos e às empresas condições optimizadas de acesso ao território. A opção vai no sentido de entender e utilizar o urbanismo como um conjunto de ferramentas potenciadoras da valorização da propriedade fundiária. Acontece que, deste ponto de vista, os PP´s são uma perfeita inutilidade, já que a nossa legislação permite que os Planos Directores Municipais definam índices urbanísticos e sejam vinculativos dos particulares. Com esse instrumental estabelecido nos PDM´s os autarcas e os investidores têm sido capazes de se entenderem, como mostra o passado recente. Cada um maximiza aquilo que quer do “urbanismo”: no caso dos autarcas, as receitas associadas ao imobiliário e, no caso dos investidores, índices de construção e mais valias simples tão elevados quanto possível.

A prova do que aqui escrevo é que nos municípios nos quais nunca se elaborou um Plano de Pormenor ou um Plano de Urbanização o “desenvolvimento urbano” não parou. Antes pelo contrário.

É por isso que uma primeira solução passa por estabelecer no Sistema de Planeamento uma clara separação entre os Planos de Afectação do Solo a Classes de Uso e os Planos de Utilização do Solo. No primeiro grupo ficariam os Planos Directores Municipais, que não estabeleceriam índices urbanísticos e que unicamente vinculariam a Administração Pública. No segundo grupo ficariam os Planos de Pormenor, que seriam vinculativos dos particulares, e nos quais seria definida a forma urbana a que as iniciativas dos promotores se teriam forçosamente que submeter. Esta alteração pressupõe que os municípios sejam proibidos de emitir licenças de construção, ou alvarás de loteamentos, sem a prévia existência de Planos de Pormenor devidamente aprovados.

Com esta mudança alterava-se de forma drástica, a favor do Planeamento de Pormenor, a relação de forças existente no nosso Sistema de Planeamento Urbanístico. Mas resolver-se-iam todos os problemas? É claro que não.

Actualmente um Plano de Pormenor aprovado pode não ter depois qualquer correspondência em termos de desenvolvimento urbano. Existem em alguns concelhos Planos de Pormenor aprovados, com milhares de fogos autorizados, nas quais os promotores optaram por não tomar qualquer iniciativa. Este facto, quase nunca referido, justifica um outro olhar sobre as questões temporais. O carácter imperativo ou não do processo de urbanização determina a rapidez com que são disponibilizados os terrenos em função da vontade colectiva expressa nos Planos. Na nossa situação existe uma diferença fundamental entre oferta potencial e oferta real de solos. A retenção de terrenos é um comportamento especulativo “natural” dos proprietários, que com a expectativa de verem o valor dos seus terrenos aumentar no médio ou no longo prazo, optam por esperar para poderem maximizar as suas mais-valias. A existência deste tipo de comportamento de natureza eminentemente especulativa deveria originar pela parte da Administração uma resposta capaz de determinar o carácter imperativo da urbanização. A aprovação de um Plano de Pormenor, pela autoridade municipal, tem que equivaler a uma decisão de início da urbanização, com a repartição dos custos dos equipamentos e infraestruturas e entrada em obra imediata. Esta decisão concretiza-se pela cobrança, no prazo de alguns meses, após a aprovação do PP, aos proprietários abrangidos da sua parte nos custos da urbanização, incluindo infraestruturas e equipamentos. Naturalmente, quem suporta estes encargos não tem qualquer vantagem em manter uma atitude expectante, sendo estimulado a colocar os seus terrenos no mercado. Quem não pretende associar-se ao desenvolvimento tem o direito a ceder ao município os seus terrenos pelo valor do uso existente, uma situação que o actual Código das Expropriações inviabiliza, pois integra no valor do terreno objecto de expropriação as mais-valias simples resultantes das decisões da Administração.

Há ainda a magna questão dos conteúdos. Os PP´s devem valorizar a questão do desenho urbano e, sobretudo, a importância do espaço público para o desenvolvimento das cidades. Devem libertar-se do espartilho do urbanismo funcionalista que entende o planeamento, e em particular o planeamento de pormenor, como o somatório de um conjunto de intervenções especializadas – as da rodovia, a dos espaços verdes, as da edificação, etc. Só é possível alterar esta situação pela valorização da forma urbana e do espaço público entendido como o lugar da cidadania e não como um espaço residual ou sobrante das restantes intervenções. Um espaço público democrático, interclassista, e não como acontece com o urbanismo de produtos que o privatiza enclausurando-o, impondo-lhe a limitação do acesso, tornando-o um elemento de segregação das populações de menores recursos. Um urbanismo que tende a reduzir os cidadãos à condição de consumidores e a cidade a um mero produto imobiliário e cuja apologia é feita por aqueles que se limitam a garantir o seu lugar nos itinerários produtivos da grande promoção imobiliária.
O sistema de Planeamento não pode continuar a ignorar as questões do imobiliário e, a ela associadas, as questões do acesso à habitação, ou a ignorar as mais-valias associadas às mudanças de uso do solo e a defesa das procuras agrícolas e florestais face à procura urbana.
Se grande parte destas questões devem ser tratadas sobretudo nos PDM´s e nos Planos de Urbanização, é nos PP´s que devem ser concretizados, através das propostas de desenho urbano, os objectivos da política de habitação definidas nos Planos Locais de Habitação, não previstos na nossa legislação. Impondo a combinação dos usos, dando resposta física às necessidades das diferentes procuras, evitando a segregação espacial das populações de menores recursos, pondo termo à ditadura do monoproduto imobiliário dirigido para os segmentos de maior poder aquisitivo.
Sem corrigirmos estas omissões, mesmo que possamos reduzir em muito o tempo de elaboração do planeamento, e ainda que mudemos os nomes aos Planos, o que estamos afinal a reduzir é o tempo que nos separa de situações como aquelas que se viveram ultimamente em França e cujas diferentes análises puseram em evidência a incompreensão das dimensões especificamente urbanas, da insegurança associada à “guetização” das populações e ao crescimento urbano submetido aos ditames e às dinâmicas do imobiliário.


A questão do Tempo e os Planos de Pormenor


Artigo de opinião publicado no suplemento local do jornal Público do passado domingo.

A questão do tempo e os Planos de Pormenor

Muito recentemente os Planos de Pormenor foram notícia com base em referências de diversos protagonistas com responsabilidade nas áreas do urbanismo e da arquitectura.
Alguns manifestaram estupefacção perante o facto de os Planos de Pormenor terem registado tão pouca adesão enquanto outros, mais recentemente – caso da arquitecta Helena Roseta, no Público de 21 de Outubro de 2005 – vieram reclamar menos tempo de aprovação dos PP´s para que não se transformem em instrumentos de perda de capacidade competitiva dos investidores.

A questão da necessidade de agilizar os procedimentos burocráticos que levam a que os Planos – e não só os de Pormenor – demorem tantos anos a serem elaborados é um ideia recorrente e, por si só, susceptível de gerar um alargado consenso. No entanto, considerada isoladamente, pode ser uma ideia perigosa e simplista. Por um lado, porque reforça o ponto de vista de que a ineficácia do Planeamento de Pormenor se deve, sobretudo – para não dizer exclusivamente – à morosidade na sua elaboração. Note-se que, no conjunto das críticas que se formulam, nunca são abordadas as questões dos conteúdos e da qualidade dos Planos. Por outro lado, porque esta insistência na questão temporal estimula a difusão de uma ideia perversa que é a de que um planeamento light é sempre um melhor planeamento, uma vez que antecipa a chegada à fase do projecto de urbanização e do projecto de arquitectura.

Se persistíssemos no erro de limitar a discussão à questão temporal haveria, mesmo assim, algumas considerações a fazer. Em primeiro lugar o tempo de elaboração dos Planos não é um tempo uno. Há o tempo excessivo, e em larga medida inútil, dos burocratas, consumido na circulação de pareceres, na falta de solidariedade, e mesmo na desconfiança, entre os diversos níveis da Administração Pública.
Há, por outro lado, o tempo escasso para o trabalho de planeamento, que deve ser alargado o que passa pela revalorização do papel, da responsabilidade e da independência técnica da intervenção dos urbanistas, recuperando as fronteiras éticas entre o público e o privado, entre o plano e o projecto. Com o advento do urbanismo de produtos, são cada vez mais os casos em que os destinatários da encomenda dos grandes promotores imobiliários realizam, como complemento das grandes urbanizações que projectam, Planos que visam “costurar” as diferentes intervenções. Uma paródia do urbanismo.

E há, sobretudo, o tempo escasso da discussão pública, esse instituto eminentemente democrático, que actualmente é verdadeiramente residual e que urge aumentar significativamente. Repare-se na contradição existente quando se fala em excesso de tempo para a aprovação de um Plano de Pormenor e a Lei determina um máximo de 22 dias – Artº 77º-6º do D-Lei310/2003 – para o período de discussão pública.

Por um novo Sistema de Planeamento

Mas, para além destas questões eminentemente temporais será que existem outras razões para que a perda de eficácia do Planeamento ?

Em toda a Europa travou-se uma discussão que permitiu estabelecer uma relação entre o declínio do Planeamento e a perda de qualificação do desenvolvimento urbano e em particular uma relação entre o declínio do planeamento de pormenor e a perda de influência do espaço público nas cidades. Há um conjunto de factores identificados como determinantes desse declínio, destacando-se a submissão dos objectivos do planeamento às dinâmicas da iniciativa privada e, em particular, às dinâmicas do sector imobiliário entre as mais relevantes.

Vamos tentar sistematizar alguns dos aspectos mais relevantes que concorrem para que em Portugal o Planeamento de Pormenor seja pouco utilizado e, quando utilizado, seja ineficaz e avançar algumas ideias sobre o que fazer para alterar a actual situação.

Do ponto de vista dos autarcas, o Planeamento Urbanístico foi inicialmente entendido como uma formalidade que era necessário satisfazer para viabilizar o acesso a fundos comunitários. Desde esses tempos verificou-se alguma evolução mas a opção clara que domina não vai no sentido de utilizar o urbanismo para qualificar o desenvolvimento urbano, para contribuir para a preservação dos recursos naturais e para garantir aos cidadãos e às empresas condições optimizadas de acesso ao território. A opção vai no sentido de entender e utilizar o urbanismo como um conjunto de ferramentas potenciadoras da valorização da propriedade fundiária. Acontece que, deste ponto de vista, os Planos de Pormenor são uma perfeita inutilidade, já que a nossa legislação permite que os Planos Directores Municipais definam índices urbanísticos e sejam vinculativos dos particulares.
Com esse instrumental estabelecido nos PDM´s os autarcas e os investidores têm sido capazes de se entenderem, como mostra o passado recente. Cada um maximiza aquilo que quer do “urbanismo”: no caso dos autarcas, as receitas associadas ao imobiliário –embora a prazo a operação se revele largamente deficitária - e, no caso dos investidores, índices de construção e mais valias simples tão elevados quanto possível.

É por isso que uma primeira solução passa por estabelecer no Sistema de Planeamento uma clara separação entre os Planos de Afectação do Solo a Classes de Uso e os Planos de Utilização do Solo. No primeiro grupo ficariam os Planos Directores Municipais, que não estabeleceriam índices urbanísticos e que unicamente vinculariam a Administração Pública. No segundo grupo ficariam os Planos de Pormenor, que seriam vinculativos dos particulares, e nos quais seria definida a forma urbana a que as iniciativas dos promotores se teriam forçosamente que submeter. Esta alteração pressupõe que os municípios sejam proibidos de emitir licenças de construção, ou alvarás de loteamentos, sem a prévia existência de Planos de Pormenor devidamente aprovados. Planos de Pormenor elaborados pela Administração e não pelos particulares que disponham de capacidade financeira para o fazer, uma nova forma de discriminação dos cidadãos de menores recursos que se foi instalando e de que ninguém fala.

Com esta mudança alterava-se de forma drástica, a favor do Planeamento de Pormenor, a relação de forças existente no nosso Sistema de Planeamento Urbanístico. Mas resolver-se-iam todos os problemas? É claro que não.

O Problema da eficácia dos Planos

Actualmente um Plano de Pormenor aprovado pode não ter depois qualquer correspondência em termos de desenvolvimento urbano. Existem em alguns concelhos Planos de Pormenor aprovados, com milhares de fogos autorizados, nas quais os promotores optaram por não tomar qualquer iniciativa. Este facto, quase nunca referido, justifica por si só um outro olhar sobre as questões temporais. A discussão sobre o carácter imperativo ou não que o processo de urbanização deve ter em função da vontade colectiva expressa nos Planos. Em Portugal apesar do discurso sistemático pró-des-regulamentação, é um facto que são os privados que ditam, desde 1965, o tempo e o modo do processo de desenvolvimento urbano.

Há ainda a magna questão dos conteúdos. Os PP´s devem valorizar a questão do desenho urbano e, sobretudo, a importância do espaço público para o desenvolvimento das cidades. Devem libertar-se do espartilho do urbanismo funcionalista que entende o planeamento, e em particular o planeamento de pormenor, como o somatório de um conjunto de intervenções especializadas – as da rodovia, a dos espaços verdes, as da edificação, etc. Um urbanismo que tende a reduzir os cidadãos à condição de consumidores e a cidade a um mero produto imobiliário e cuja apologia é feita por aqueles que se limitam a garantir o seu lugar nos itinerários produtivos da grande promoção imobiliária.
Só é possível alterar esta situação pela valorização da forma urbana e do espaço público entendido como o lugar da cidadania e não como um espaço residual ou sobrante das restantes intervenções. Um espaço público democrático, interclassista, e não como acontece com o urbanismo de produtos que o privatiza enclausurando-o, impondo-lhe a limitação do acesso, tornando-o um elemento de segregação das populações de menores recursos.
Sem corrigirmos estas omissões, mesmo que possamos reduzir em muito o tempo de elaboração do planeamento, e ainda que mudemos os nomes aos Planos, o que estamos afinal a reduzir é o tempo que nos separa de situações como aquelas que se viveram ultimamente em França e cujas diferentes análises puseram em evidência a incompreensão das dimensões especificamente urbanas, da insegurança associada à “guetização” - de pobres e de ricos - das populações e ao crescimento urbano submetido aos ditames e às dinâmicas do imobiliário.




quinta-feira, janeiro 19, 2006

Nota de abertura


Um blogue toponímico-familiar. A linha de costa que leva da Pedra do Homem a lado nenhum. Textos que lá não cabem.


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